Estou relendo O pequeno príncipe pela milésima vez e vim compartilhar com vocês a minha passagem favorita da obra.
Como sabemos, o livro do Antoine de Saint - Exupéry é repleto de simbolismos. É praticamente impossível compreender a jornada do menino das estrelas sem se atentar para cada detalhe de suas metáforas.
Uma delas (e é a que eu mais amo pela característica primordial do meu temperamento) é a metáfora do pôr do sol.
"Ah! Principezinho, assim fui compreendendo pouco a pouco sua vidinha melancólica. Durante muito tempo, sua única distração tinha sido a doçura do pôr do sol. Fiquei sabendo desse novo detalhe no quarto dia pela manhã, quando você me disse: — Gosto muito do pôr do sol. Vamos ver um pôr do sol… — Mas vamos ter que esperar… — Esperar o quê? — Esperar que o sol se ponha."
O pequeno príncipe é um menino extremamente melancólico e é típico dos melancólicos essa tendência à introspecção e à contemplação, principalmente em momentos de tristeza, uma tristeza que nem sempre tem uma causa aparente, uma razão discernível.
Tanto é que há um momento nesse capítulo que o pequeno príncipe admira o pôr do sol 44 vezes e ao ser interrogado pelo piloto se ele estaria tão triste assim para contemplar tantas vezes seguidas o mesmo fenômeno, o menino não responde.
"— Um dia, vi o sol se pôr quarenta e quatro vezes! E um pouco mais tarde você acrescentou: — Sabe… quando ficamos realmente tristes, gostamos do pôr do sol… — Quer dizer que, nesse dia das quarenta e quatro vezes, você estava mesmo muito triste? Mas o principezinho não respondeu."
Por ter um temperamento parecido com o do pequeno príncipe, acredito que nem ele mesmo saiba a resposta.
Em diversas culturas o sol é símbolo de nascimento, vitalidade, força, poder. O sol também simboliza a nossa vida consciente, iluminada. Já o pôr do sol está relacionado a "morte do sol", a fins de jornadas, as sombras que trazemos de forma inconsciente. Jung dizia que esse era o aspecto negativo do sol que com sua luz também faz surgir as sombras.
Na história do pequeno príncipe, o pôr do sol poderia estar relacionado com a premonição da sua morte prematura e por isso a causa de sua tristeza, mas para mim, o pôr do sol simboliza a passagem do tempo que é implacável e por isso mesmo deve ser bem aproveitado. O sol voltará a nascer, mas nós não temos como saber qual será nosso último crepúsculo.
Quando paro diante do pôr do sol me faço essa pergunta : a jornada de hoje valeu a pena?
Para os filósofos e poetas, a morte não é um problema em si, mas uma vida não refletida é. E nós, melancólicos, também sentimos uma necessidade abissal disso.
O pôr do sol é o momento ideal para amadurecermos nossos pensamentos acerca da vida, dos acontecimentos, sejam alegres ou tristes e de nós mesmos. Mas é preciso respeitar o processo que nem sempre será breve. É preciso admirar quantos pores do sol forem necessários para surgir um sentido a respeito do que se reflete.
O pequeno príncipe precisou de 44 pores do sol em único dia para vencer, mesmo que temporariamente, a sua melancolia.
E por falar em processo, essa é outra lição que essa passagem me lembra. Para ver o pôr do sol é preciso esperar que o sol se ponha. O sol se põe na sua hora certa, independentemente da nossa vontade. Nem tudo acontecerá no momento que gostaríamos, mas é preciso uma certa dose de confiança no invisível para acreditar que acontecerão nos momentos necessários.
Seja como for, toda jornada tem seu fim. Todo dia tem seu pôr do sol. Quero sempre estar diante dele inteira e plena por ter vivido aquilo que fez meu coração pulsar. Disso jamais me arrependerei.
