A primeira vez que assisti Sociedade dos poetas mortos, um filme de Peter Weir de 1989, eu tinha em torno de 14 anos de idade. Não tinha muita vivência nem repertório suficiente para entender todas as camadas desse filme, mas algo me tocou profundamente desde a primeira cena.
Sou da época da fita VHS. Tínhamos o hábito familiar de todos os finais de semana alugarmos filmes para assistirmos juntos. Escolhíamos sempre o pacote de 5 filmes e cada um tinha o direito de sugerir um título.
Durante toda a minha adolescência, com algumas mudanças eventuais, minha escolha era sempre a mesma, Sociedade dos poetas mortos. Um filme que trata, dentre muitas outras coisas, da importância do professor e da educação na formação do ser humano e que tem como missão ajudá-lo a ser mais consciente de si e do seu papel no mundo. Missão nem sempre fácil de ser cumprida diante de um sistema educacional massificado e dogmático.
Nessa fase da vida era muito nova e quando somos jovens demais tendemos a pensar que temos todo o tempo do mundo, que o tempo é largo, que é um bem inesgotável. Foi a primeira vez que tive a percepção de que o tempo urge, que a vida é breve, e talvez por isso, o que mais tenha me marcado no filme nessa ocasião tenha sido a ideia do carpe diem.
Carpe diem, aproveite o dia.
Carpe diem, expressão latina, que vem da ode I, 11 de Horácio, um dos poemas mais importantes no conjunto da obra do poeta romano.
"Saber não procures, saber é ilícito, o fim que os deuses a mim e a ti concederam, ó Leucônoe, nem tentes os números babilônios. Como é melhor suportar tudo o que há de vir! Ou Júpiter te deu vários invernos ou o último, que agora, nos rochedos opostos, enfraquece o mar Tirreno. Compreende, coa os vinhos e suprime a longa esperança por causa da nossa breve existência. Enquanto falamos, o tempo inimigo terá fugido: colhe o dia de hoje, o menos crédula possível no seguinte."
Essa é a primeira lição que John Keating (representado magistralmente por Robin Williams), um professor de literatura inglesa que utilizava métodos nada convencionais, dá a seus alunos. O "aproveite o dia, torne suas vidas extraordinárias porque em breve todos seremos alimento para os vermes" ficou marcado em meu coração como um mantra.
Mas o que Keating tenta mostrar é que o extraordinário não precisa ser grandioso. O extraordinário pode ser simples como um botão de rosa que é preciso ser colhido no presente. Achamos que estamos destinados a grandes feitos e vivemos tempo demais preparando esse futuro e esquecendo o "agora".
A escola onde se passa a história era extremamente conservadora e baseava a educação de seus alunos em 4 pilares: tradição, honra, disciplina e excelência. Orgulhava-se de sua tradição centenária e não admitia nenhuma pedagogia que levasse o aluno a pensar fora dos padrões pré - estabelecidos.
O professor queria que os alunos encontrassem a própria voz e não apenas seguissem o roteiro. Com 20 anos quando reassisti o filme já estava na faculdade e me sentia seguindo o roteiro. Já fazia alguns anos que eu havia me apaixonado por poesia através de um livro de sonetos de Camões que encontrei na estante de meu pai. "Alma minha gentil que te partiste" , que até hoje sei decorada, foi a primeira poesia que me fez chorar.
Me sentia entendida por John Keating. Ele ensinava aos seus alunos que a emoção que sentimos ao ler poesia é também poesia. Que aprender rima e métrica não auxiliará ninguém a tecer seu próprio conhecimento e assim não se tornar eternamente refém de convicções alheias. A poesia, a linguagem, precisa ser apreciada para gerar transformações.
"Palavras e ideias podem mudar o mundo."
E ele explica isso em um dos momentos mais emocionantes do filme com as seguintes palavras:
"Nós não lemos ou escrevemos poesia porque é bonito. Nós lemos e escrevemos poesia porque pertencemos a raça humana e a raça humana está cheia de paixão. Medicina, direito, engenharia, são ambições nobres e necessárias para manter a vida, mas poesia, beleza, romance, amor, é para isso que ficamos vivos. "
E citando um poema de Walt Whitman, ele faz a seguinte indagação aos seus alunos: Qual o seu verso ? Qual a sua voz? Qual a sua contribuição como ser humano, não como médico, advogado, engenheiro ou seja lá o que for, nesse poderoso jogo da vida?
"Oh eu! Oh vida! das perguntas que sobre isso se voltam,
Das infindáveis gerações de infiéis, das cidades cheias de tolos,
Eu mesmo eternamente envergonhado de mim mesmo,
(pois quem mais tolo do que eu e mais infiel?)
De olhos que inutilmente desejam a luz, de objetos insignificantes, da luta sempre renovada,
Dos pobres resultados de tudo, da multidão laboriosa e sórdida que sinto à minha volta,
Anos vazios e invisíveis para os que restam, com o que resta de mim entrelaçados,
A pergunta, oh eu! tão triste, ainda insiste - O que vale a pena por tudo isso,
Oh, eu, oh, vida?
Resposta:
Que você está aqui - que a vida e a identidade existem,
Que o poderoso jogo continua, e você pode contribuir com um verso." (Walt Whitman)
Até hoje me faço essa pergunta. Ela não tem uma resposta única. É sempre renovada. Nesse momento, nessa circunstância, qual será o meu verso?
John Keating mostrou isso aos seus alunos. Que algumas perguntas serão e devem ser sempre refeitas ao longo da vida, que quando estivermos muito convictos de algo, devemos parar e olhar por outra perspectiva.
Para exemplificar, ele pediu aos seus alunos que subissem em sua mesa para ter uma outra visão da sala.
Uma visão mais ampliada da vida e de mim mesma foi minha busca desde então.
Os alunos acabaram descobrindo o anuário da escola da época em que Keating estudou na instituição e leram que ele fazia parte de uma sociedade secreta chamada de Sociedade dos poetas mortos. Indagado por seus alunos sobre o que seria essa sociedade, John Keating explica aos meninos que ele e os amigos se reuniam em uma caverna não apenas para ler poesia, mas para "sugar a essência da vida" , para sentir a poesia, fazê-la escorrer pelos lábios como mel.
Os alunos se entusiasmaram e resolveram ressucitar a sociedade dos poetas mortos que era sempre iniciada com o verso de Henry Thoreau:
"Eu fui à Floresta porque queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida... expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido."
E as reuniões prosseguiam com os versos de Alfred Lord Tennyson:
"Vamos amigos, nunca é tarde para descobrir um mundo mais novo. Minha meta é navegar para além do pôr do sol. Embora não tenhamos a força de antigamente podemos mover céu e terra. O que somos ? Somos uma boa índole e corações heroicos, enfraquecidos pelo tempo, mas fortes na vontade de lutar, procurar, achar e não ceder."
Procurar, achar e não ceder. Sentir a essência da vida. Viver profundamente para não descobrir tarde demais, assim como Ivan Ilitch de Tolstói, que na verdade não vivi. Foi isso que marcou meus 30 e poucos e até hoje.
Em um determinado momento do filme o professor fala aos seus alunos que ao lerem um livro, eles não devem ouvir apenas a voz do autor, mas principalmente sua voz através das palavras do autor e cita novamente Thoreau:
"A grande maioria dos homens leva uma vida de tranquilo desespero. O que se chama resignação é desespero confirmado. Da cidade desesperada você vai para o campo desesperado, e tem de se consolar com a coragem das martas e dos ratos almiscarados. Um desespero estereotipado, mas inconsciente, se esconde mesmo sob os chamados jogos e prazeres da humanidade. Não há diversão neles, pois esta vem depois da obrigação. Mas uma característica da sabedoria é não fazer coisas desesperadas."
Como não nos sujeitarmos a esse tranquilo desespero? Como reagir ? Como vencer esse sentimento de vazio que acompanha tantas pessoas? E citando também Robert Frost, Keating nos convida a acharmos as nossas respostas dentro de nós mesmos, encontrarmos os nossos próprios passos, o nosso caminho. Não importa o jeito de caminhar.
"Dois caminhos se abrem ante mim, mas tomei o menos movimentado e isso fez a diferença”. (Robert Frost)
As vezes, o caminho menos usado é o que nos levará mais longe.
John Keating, o ousado professor de literatura, marcou profundamente a vida de seus alunos. Ensinou-lhes a viver com paixão, a buscar com afinco a sua vocação, a não desistir, a não ser apenas mais um na multidão seguindo o fluxo. E assim, tem marcado também gerações e gerações de expectadores que até hoje se encantam com Sociedade dos poetas mortos.
Eu, agora depois dos 40, mais experimentada na vida, vejo o quanto esse legado de John Keating esteve presente na minha trajetória. Quando penso nele lembro - me daquela frase de Jung que diz :
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
John Keating tocou muitas almas humanas, inclusive a minha e por isso só posso dizer: Obrigada capitão, meu capitão.
Acredita Naty, que nunca vi esse filme 😅
Mas já tenho a indicação anotada aqui, desse ano não passa.
Olha a coincidência Amiga, hoje comecei a ler Ivan Ilitch de Tolstói que você cita na resenha.