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Sobre verdade e mentira (no sentido extramoral) - Nietzsche

Atualizado: 21 de abr.



Nietzsche inicia esse texto, que foi publicado postumamente e escrito por ele em sua juventude, mais precisamente em 1873, de uma forma bastante didática, quase com um "era uma vez...."


Ele começa a nos contar uma fábula sobre a criação do conhecimento pelo homem (o minuto mais soberbo e mentiroso da história universal, mas somente um minuto) para demonstrar a nossa pequenez e a nossa fugacidade diante da imensidão que constitui o universo.


Ele dirá:


"No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal", mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer. Esta é a fábula que se poderia inventar, sem com isso chegar a iluminar suficientemente o aspecto lamentável, frágil e fugidio, o aspecto vão e arbitrário dessa exceção que constitui o intelecto humano no seio da natureza."

Para ele, o ser humano é o único animal que, por ter o intelecto, acredita que é o eixo em torno do qual tudo (o universo, a natureza) gira, mas a função do intelecto é apenas a conservação do indivíduo.


Essa arrogância do homem não faz sentido, uma vez que,  o intelecto vem em auxilio justamente dos seres mais fracos e desfavorecidos.


O fato é que ser possuidor de inteligência, fez o homem mergulhar profundamente em um mar de ilusões, enganando-se sobre o valor da existência e fazendo -o enxergar apenas a superfície das coisas.


O intelecto, que é o mestre do disfarce, impede o homem de ter um honesto e puro impulso à verdade.


Isso porque , no ser humano, essa arte do disfarce através do intelecto chega ao seu ápice, sendo o engano, o mentir, o ludibriar, a regra e a lei.


O que Nietzsche tenta demonstrar nesse início do texto é que não há no homem esse impulso, essa vontade de verdade.


Esse "impulso à verdade " irá surgir com a necessidade do homem em viver em sociedade.


Assim, para que haja um tratado de paz nessa vida em sociedade, é fixado o que é verdadeiro (designações válidas e obrigatórias das coisas) e isso ocorrerá através da linguagem.


Nossa relação com o mundo se dá através das palavras , fundamos as leis, as regras, as convenções que permitem a vida em sociedade, com base em conceitos pré estabelecidos (como o conceito de verdade,  de mentira, de amor, de justiça, etc) e os conceitos (já já falaremos mais sobre eles), que provêm da linguagem, da palavra, não podem ser espelhos da realidade já que as palavras também não são.


Lembra que já falamos sobre esse paradoxo da linguagem na resenha de A paixão segundo G.H de Clarice Lispector? (Leia aqui).


Mas o que é a palavra ?


Nietzsche diz no texto que a palavra nada mais é que "uma transposição sonora de uma excitação nervosa."


O homem (criador da linguagem) transpôs a excitação nervosa, sensorial,  numa imagem (primeira metáfora) e a imagem, por sua vez, foi transformada em som (segunda metáfora) e daí surgiu a palavra.


A palavra, portanto, não pode expressar a realidade (primeiro um estímulo nervoso, depois uma imagem e depois um som) porque há um "delay" entre a "coisa em si" e a "coisa expressa". Palavra e coisa não se correspondem.


Ela, a palavra, só é capaz de exprimir a relação entre nós e as coisas e não a essência das coisas, que de acordo com Nietzsche,  é inacessível a nós.


Para ele, as palavras são metáforas para representar a realidade e não espelhos dela.


E  é assim, metaforicamente, que de acordo com Nietzsche, nós nos relacionamos com a realidade.


Acreditamos possuir algum saber sobre as coisas propriamente, quando falamos de árvores, cores, neve e flores, mas não temos entretanto aí mais do que metáforas das coisas, as quais não correspondem absolutamente às entidades originais.

Nietzsche vai avançar ainda mais na sua abordagem explicando como surgem os conceitos. Para ele, o conceito nasce por "igualação do não igual." Ou seja, o conceito surge da necessidade de unificar as coisas, esquecendo suas diferenças.


Na natureza, por exemplo, nenhuma folha é igual a outra (exemplo do livro), mas o homem na necessidade de unificação, faz surgir o conceito de folha, eliminando as diferenças entre todas as folhas existentes.


É como se existisse A FOLHA e todas as demais fossem cópias dessa folha original.


Para Nietzsche,  o conceito faz surgir uma ideia errônea de que exista essa forma ideal, primordial, das coisas, mas essa ideia não corresponde à natureza (que não conhece conceitos nem formas) e assim, a essência dessas coisas continua para nós indefinível.


"A omissão do particular e do real nos dá o conceito."

Então ele vai nos perguntar: Portanto, o que é a verdade ?


E ele mesmo responderá:


"Uma multidão móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos; em resumo, uma soma de relações humanas que foram realçadas, transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que, depois de um longo uso, pareceram estáveis, canônicas e obrigatórias aos olhos de um povo: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que são, metáforas gastas que perderam a sua força sensível, moeda que perdeu sua efígie e que não é considerada mais como tal, mas apenas como metal."

O que ele está dizendo é que o conceito de verdade (por ser um conceito) está relacionado a convenções estabelecidas pela sociedade para existir. Essas convenções, metáforas usuais, e que são obrigatórias a todos são expressas moralmente através de costumes seculares.


E os conceitos, por exigência da verdade, são limitados à nossa própria esfera, onde procuramos seus significados. É aquela história, verdade para quem? Para os sere humanos, para o gato, o cachorro, o alienígena?


Nietzsche dirá que o homem pode ser considerado "um poderoso gênio da arquitetura":


O homem se torna admirável para Nietzsche não pelo seu conhecimento puro das coisas (o que não nos é possível), mas pela sua construção catedrática utilizando a matéria frágil dos conceitos.


Isso só foi possível,  na visão de Nietzsche por causa do esquecimento. É pela inconsciência, pelo esquececimento do mundo primitivo das metáforas que tomamos as coisas por elas mesmas , como se os conceitos existissem de fato. É devido o esquecimento que tomamos os conceitos por espelhos da realidade.


Esquecemos que o homem é um sujeito atuante e que cria a sua relação com as coisas.


Portanto, a nossa relação com a realidade é uma relação estética, de criação. Já que nos comunicamos através das palavras (criadas pelo homem) e palavras são metáforas que dão origem aos conceitos que criamos para lidar com o real.


Lembrei - me novamente de A paixão segundo G.H. Quando a protagonista reflete sobre o seu dilema de querer dizer o que lhe aconteceu, mas sabendo que a palavra, a linguagem, não seria um meio preciso, exato, de expressar a realidade,  ela diz que, devido a essa impossibilidade,  ela iria CRIAR o que lhe aconteceu e assim, gerar uma APROXIMAÇÃO entre a coisa acontecida e a cosia narrada, já que o que lhe havia acontecido, a sua essência, era inexprimível.


É assim também a nossa interação com o mundo, através de relações e, de acordo com o pensamento de Nietzsche, criamos essas relações artisticamente através das metáforas.


Ele dirá, também, que o maior construidor dessa catedral de conceitos é a ciência e esse grande arcabouço de conceitos acaba por se tornar o cemitério da intuições.


Nós nos agarramos a "este chão gigantesco de conceitos" durante a vida, nos tornamos senhores da razão, enquanto para as intuições,  "o homem fica mudo quando as vê."


Ele vai falar sobre o homem racional,  ligado aos conceitos e abstrações, sobre o homem intuitivo apoiado na aparência e beleza, e sobre o maior dissimulador de todos, o grande mestre dos disfarces, o homem estoico.


Mas, de toda forma, tanto uma maneira quando a outra (apoiada nos conceitos ou na estética) de responder à vida são dissimulações, são ilusões, não são essências.


E sendo ilusões, metáforas criadas artisticamente como disse Nietzsche,  e sendo também, metaforicamente , a nossa forma de nos relacionamos com as coisas, novos conceitos podem surgir e com eles novas formas de ver o mundo e a vida.


O que Nietzsche tenta nos alertar é que devemos ter cuidado com as convicções. Não nos esquecermos desse caráter ilusório dos conceitos , pois para ele


" As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."


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