Hoje é o aniversário de Proust (152 anos) e, em comemoração, vim compartilhar com vocês a resenha de um texto que está entre os escritos sobre o ato de ler mais emocionantes que já li.
"Sobre a leitura" escrito em 1905 por Marcel Proust como um prefácio ao livro "The sesame and the lilies"(Sésamo e os lírios) de John Ruskin e publicado posteriormente como um livro independente, nos traz reflexões sobre o valor da leitura.
Ele nos coloca em um ambiente de lembranças de sua infância e os momentos de leitura durante suas férias na casa da sua tia - avó que, visto à distância, se transformam em "doces lembranças" , mas que na época em que foram vividos eram considerados "dias perdidos", os dias em que foram gastos na companhia de um livro favorito.
É a partir dessas leituras infantis , onde a criança deixa a imaginação fluir livremente que Proust construirá seu pensamento sobre o verdadeiro valor da leitura, um valor que não é limitado na linguagem, mas que é encontrado primordialmente na imaginação.
Proust através da sua prosa única nos lembra que a leitura racionalizada, sem reflexão, além de ser inútil, é também perigosa por que a busca da leitura é a busca da verdade e essa não está fora de nós, não está presa nas páginas de um livro não lido.
A reflexão é o que nos leva a encontrar as respostas que às vezes "esperamos que o autor nos forneça, mas este só pode nos dar desejos. "
Para Proust a leitura também é terapêutica. Ele dizia que
"Existem, porém, certos casos patológicos, a bem dizer, de depressão espiritual, em que a leitura pode tornar-se uma espécie de disciplina curativa e estar encarregada, por meio de repetidas incitações, de constantemente reinserir aquele espírito indolente na vida espiritual. Os livros desempenham então, junto a ele, um papel análogo ao dos psicoterapeutas junto a certos neurastênicos."
Proust fala que a leitura é uma espécie de amizade e um tipo de amizade específico, uma amizade sincera, pura e calma, sem fingimentos e preocupações de agradar o outro.
Ele também nos conta que não devemos ser como o letrado que lê por lê, apenas para reter o que leu, mas como aqueles que têm consciência que só podemos desenvolver a força de nossa sensibilidade e de nossa inteligência em nós mesmos, nas profundezas de nossa vida espiritual e somente através da leitura conseguimos isso. Espiritual aqui não possui um sentido religioso, mas um sentido filosófico, a busca pelo sentido da vida através de um conhecimento profundo de si mesmo.
Ele ressalta que "os grandes espíritos" , mesmo os românticos como Victor Hugo preferiam ler os antigos, os clássicos. Ele diz isso não como um demérito às obras contemporâneas que são igualmente belas, mas os clássicos além da beleza possuem algo mais: "eles contém todas as belas formas de linguagem abolidas que conservam a lembrança de usos ou de maneiras de sentir que não existem mais, vestígios persistentes do passado aos quais nada do presente se assemelha e cujas cores o tempo, ao passar por eles, pôde apenas embelezar ainda mais. "
Proust tinha uma visão sobre a leitura com a qual eu me identifico bastante : a leitura como algo capaz de nos levar a outro patamar, a reconhecer uma outra dimensão da existência que não conheceríamos sem os livros.
Separei um trecho para compartilhar com vocês que me marcou muito durante a leitura :
"Enquanto a leitura for para nós a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta de moradas em que não conseguiríamos penetrar, seu papel em nossa vida será salutar. Ela se torna perigosa, em contrapartida, quando, em vez de nos despertar para a vida pessoal do espírito, a leitura tende a se substituir a ela, quando a verdade não nos aparece mais como um ideal que só podemos realizar por meio do progresso íntimo de nosso pensamento e pelo esforço de nosso coração, mas como uma coisa material, depositada entre as folhas dos livros como um mel preparado pelos outros e que precisamos apenas dar-nos ao trabalho de alcançar nas estantes das bibliotecas e depois degustar passivamente num perfeito repouso do corpo e da mente."
Essa busca pela "verdade oculta " que todos os bons livros devem conter e que foi defendida por Ruskin e também por Descartes e que ao leitor cabe apenas o papel de "descobri-la" e "desgutá-la" passivamente é que Proust chama de leitura perigosa, a qual mencionei logo no início desse texto.
A leitura proveitosa é um ato solitário, íntimo, reflexivo e dialógico entre o leitor e ele próprio e não apenas entre o leitor e o autor "como uma conversa com os melhores espíritos dos séculos passados" como dizia Descartes.
Para Proust
"(...) a leitura, ao contrário da conversação, consiste para cada um de nós em tomar conhecimento de um outro pensamento, mas estando sozinho, isto é, continuando a gozar da força intelectual de que usufruímos na solidão e que a conversa dissipa imediatamente, continuando a poder ser inspirados, a permanecer em pleno trabalho fecundo do espírito sobre ele mesmo."
E mais adiante ele dirá que "não podemos receber a verdade de ninguém e que devemos criá-la nós mesmos."
Esse ensaio é também uma excelente "porta de entrada" para as leituras proustianas , especialmente a da sua obra - prima "Em busca do tempo perdido", pois é possível visualizar elementos preciosos da sua estética, além do contato com a beleza poética da sua escrita.
Excelente post Naty 👏🏼