O ser humano é um eterno insatisfeito .
Quando Sêneca escreveu essa obra por volta de 49 a 55 da era cristã, a expectativa de vida das pessoas no Império Romano era de 30 anos.
Hoje vive-se em média mais do que o dobro disso e continuamos a reclamar que não temos tempo suficiente.
Somos movidos pela escassez. Buscamos sempre o que nos falta e é da nossa natureza não valorizarmos aquilo que temos em abundância.
Se vivêssemos 200, 400 , 500 anos, seria o bastante? A resposta é não. Iríamos querer mais tempo. Logo, a brevidade ou não da vida (cronologicamente falando) não é a principal questão posta na obra do estóico Sêneca, mas onde e como empregamos o tempo que dispomos.
Sêneca dirá em um trecho da obra citando (provavelmente) Homero que "pequena é a parte da vida em que vivemos" .
Portanto, existir muitos anos não significa necessariamente viver muitos anos. A maior parte dos nossos anos é tempo e não vida.
Para Sêneca, tempo e vida são coisas diferentes.
"Não se deve julgar que alguém viveu por muito tempo por causa dos cabelos brancos e rugas: ele não viveu muito tempo, mas existiu muito tempo."
Essa é a tese principal que o filósofo vai defender nessa obra. A ideia de que não temos uma vida breve, mas a desperdiçamos.
"Não temos pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o suficiente e nos foi dada generosamente para a realização das mais altas empreitadas, se toda ela for bem empregada; mas quando se dissipa no luxo e na negligência, quando se gasta com nada de bom, só então, constrangidos pelo fim inescapável, sentimos que passou enquanto não percebíamos que passava. É assim : não recebemos uma vida breve, mas a tornamos. "
E como abreviamos a vida?
Sêneca nos dará vários exemplos de situações que nos impedem de ter uma vida boa:
1. Quando estamos presos por uma avareza insaciável ou por uma ambição desmedida;
2. Quando nos empenhamos em atividades supérfluas;
3. Quando conduzimos a nossa existência pautada no julgamento alheio;
4. Quando não temos objetivos claros e nos deixamos levar pela inconstância;
5. Quando nos permitimos seduzir pelos vícios e desejos;
6. Quando ocupamos os nossos dias integralmente e não abrimos espaço para o ócio;
7. Quando não sabemos dizer não para as coisas que não importam;
8. Quando empregamos nossos dias com bebedeiras e libertinagem;
9. Quando não controlamos as emoções negativas como a raiva, a ira, a luxúria, etc;
10. Quando sofremos por antecipação. Sêneca nos dirá que "a causa da morte de muitos foi conhecer a sua doença."
A vida boa para os estóicos é uma vida onde razão e emoção encontram-se em harmonia. Isso não significa eliminar as emoções. O estóico também tem emoções por que isso é inerente à natureza humana.
Portanto, a vida boa para os estóicos é uma vida que flui harmonicamente, eliminando o pathos (estado de sofrimento da alma) através da razão e buscando a ataraxia (estado de tranquilidade).
E como podemos alcançar essa boa vida à maneira estóica?
1. Através do ócio e ócio para os estóicos não significa não fazer nada, mas um tempo para si que não seja empregado com vícios, pois estes nos tiram vida. Sêneca dirá que não aproveita o ócio aqueles cujos desejos ocupam muito do seu tempo. O ócio, portanto, é um tempo para si que leva a um estado reflexão, de contemplação. Sêneca diz que não são ociosos aqueles que nada fazem ou que se ocupam de atividades inúteis, estes estão "semivivos". O ocioso é consciente do seu ócio, consciente da vida e dono de si. Ser ocioso é estar disponível para a sabedoria.
2. Vivendo o presente. Para os estóicos tanto a nostalgia (viver no passado) quanto a esperança (viver no futuro) são formas de desperdiçar a vida, pois tudo que temos é o momento presente. "Tudo que ainda há de vir jaz na incerteza. Viva já!"
3. Lutando com a velocidade do tempo usando a velocidade, ou seja, assim como a vida é veloz também devemos nos apressarmos em viver para não cairmos naquilo que Sêneca diz ser o maior prejuízo da vida: a protelação. A protelação, o deixar para depois, retira cada um de nossos dias.
4. Não nos dedicando a saberes inúteis. Sêneca vai dizer que saber certos detalhes literários, por exemplo, como se Ilíada ou Odisséia foi escrita por um ou vários autores , nada acrescentará a nossa mente, não nos tornará sábios para vivermos melhor, mas apenas nos tornará um chato. A busca da vida intelectual, a comunhão com os filósofos é, para os estóicos, uma maneira de não apenas alongarmos a nossa existência, mas alcançarmos a imortalidade.
5. Através da prática das virtudes, do esquecimento dos desejos, do conhecimento do viver e do morrer. "Toda a vida é um aprender a morrer."
Outra lição estóica que aprendemos nessa obra com Sêneca é aceitarmos a finitude da vida. A consciência da finitude, da mortalidade, de que temos o poder de abreviarmos ainda mais a vida não deverá ser motivo de medo, mas a força motriz que nos impulsiona à viver plenamente.
A brevidade da vida não é um problema para quem a soube viver e não apenas existir.
Quantos aprendizados Sêneca nos deixou... Uma excelente leitura para nos levar a reflexões profundas sobre nossa vida.
Parabéns pelo post, riquíssimo 👏👏
Só de pensar em quanto saberes inúteis acumulamos ou quantas informações que não são saberes nossos olhos são obrigados a ver, e obrigados por nós mesmos. Ler Sêneca foi uma experiência maravilhosa. Obrigada por compartilhar saberes, pensamentos e um melhor viver, que aprendemos pelas leitura.