Proust - seus e meus caminhos (elucubrações da madrugada )

Estava pensando nesses dois caminhos que permeiam o primeiro volume do romance de Proust, "No caminho de Swann", tão diversos entre si e que levam à sensações e vivências também diversas, mas que juntos formam um todo existencial para o narrador.

Por um lado, o caminho de Méséglise ou o caminho de Swann (por que passa por sua propriedade, Tansonville). Caminho escolhido para os dias de clima incerto por não se afastar muito de casa. O caminho dos pilriteiros cor - de - rosa e do cheiro dos lilases.

Por outro, o caminho de Guermantes, do curso do Vivonne , das plantas aquáticas, dos mistérios, dos pensamentos elevados e sofisticados.

Um caminho (de Swann) que leva à descoberta do amor associado ao desprezo e ao desejo de rebaixar o outro para não se sentir vulnerável (um amor imaturo, da infância, materializado pelo narrador na pessoa de Gilberte, filha de Swann) e também do prazer erótico, do sadismo e do homossexualismo.

Um outro (de Guermantes) que conduz ao despertar do desejo de ser escritor para reter através da linguagem àquelas imagens preciosas e tudo o que elas ocultavam, mas também o da frustração por não se sentir capaz de encontrar um tema filosófico que lhe servisse de material para o desenvolvimento de uma grande obra literária.

Enquanto o caminho de Swann é o caminho do amor e do erotismo, o caminho de Guermantes é o da descoberta da vocação. É nele que se dará a primeira experiência literária do narrador ao descrever as impressões e sensações despertadas pelas torres de Martinville.

Caminhos diferentes, mas que "se comunicam imediatamente com o coração."

Fico relembrando meus próprios caminhos também tão opostos e quando releio essas passagens de "No caminho de Swann", não é mais o narrador a percorrê-los, sou eu.

Sou eu me encantando com as flores e as macieiras da propriedade de Swann. Sou eu a observar os peixes e o pescador da margem do Vivonne. Sou eu lembrando dos caminhos que percorri com passos firmes e coração despedaçado ou cambaleante, mas com esperança alegre no futuro.

Essa é a magia da obra de Proust. Um narrador que nos leva para dentro de suas reminiscências de uma forma que não sabemos mais se sao suas memórias ou as nossas ou uma fusão das duas que lemos nas páginas de seu romance.

Quando menos espero, são as minhas próprias memórias a brotarem da minha imaginação e quando as leio, essas páginas benditas, não é mais o meu tempo que me abraça, nem mesmo o tempo das minhas memórias, nem o tempo do romance, mas um tempo especial, surgido através da leitura e que dá corpo a essas memórias e as fazem penetrar em minha existência, inundando-a de sensações inéditas, sensações que só nasceram em contato com o discurso do narrador.

Talvez sejam as palavras do narrador esse portal para dentro de nós mesmos e que nos revela a nós, assim como a madeleine mergulhada no chá revelou a ele (narrador) uma Combray que estava morta e para sempre (?) sepultada pela inteligência.

Talvez seja Proust um mágico, não um escritor ou poeta, que ao percorrer seus caminhos segura em nossas mãos e nos conduz , mas quando nos damos conta, não é nem Méséglise nem Guermantes, mas um outro lugar, um outro tempo, que só tem significado e encanto para nós.

E assim como o narrador nas madrugadas insones e tristes pensa em Combray e seus caminhos, eu reconstruo os meus com um misto de melancolia e doçura, não pela arte porque não tenho esse talento, mas pelas intermitências do coração.