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Proust contista

Foto do escritor: A leitora ClássicaA leitora Clássica

Hoje o #lendocontonaquinta trouxe uma versão contista de Proust.


O autor de "Em busca do tempo perdido" iniciou sua carreira literária com a escrita jornalística, escrevendo para jornais, crônicas, críticas literárias e artigos relacionados a arte,  mas também contos que em 1896 foram reunidos por Proust em um livro chamado "Os prazeres e os dias."



O nome da obra faz referência à de Hesíodo "Os trabalhos e os dias", revelando o decadentismo da obra proustiana, já que os prazeres fazem oposição ao trabalho que é basilar para o progresso característico do século XIX.


O conto de hoje, "Violante ou a mundanidade " foi escrito em 1892 e publicado em 1896 em "Os prazeres e os dias". Ele narra a história de Violante, uma menina bela, caridosa e sedutora, que morava em uma propriedade campestre em Estíria. Violante perde os pais drasticamente em um acidente de caça aos 15 anos. Órfã, fica aos cuidados de Augustin, a única pessoa com quem Violante mantinha um convívio, além de uma tia distante.


Sem os pais e sem amigos, Violante fazia dos seus sonhos seus companheiros de vida.


Sua vida no campo era cultivada através da arte (ela cantava, pintava,  lia), da caridade e do contato com a natureza , o que traria à bela jovem um espírito elevado e contemplativo.


Proust inicia o conto nos apresentando o que ele chamou de "infância meditativa de Violante" para fazer um contraponto justamente com a desconstrução dessa personagem a partir do seu contato com a mundanidade, ou seja, com a vida fútil e superficial da alta sociedade da época.


A mundanidade, ou a vida mundana, é um tema proustiano por excelência e bastante explorado em sua magnum opus, "Em busca do tempo perdido", onde podemos acompanhar os inúmeros relatos da vida nos salões parisienses e seus frequentadores mais típicos.


No conto, Violante sofre uma profunda decepção amorosa.


"(...) Ela ainda não conhecia o amor. Pouco tempo depois, sofreu por causa dele, única maneira de se aprender a conhecê-lo."

E a partir daqui se desenvolve, também, outro tema basilar em Proust: o amor e duas dores. Esse sentimento que, para Proust,  só pode ser conhecido através da dor, do sofrimento.


Violante conhece um rapaz chamado Honoré que lhe fala "coisas proibidas" ao seu ouvido. Ela o rejeita (por inexperiência e pudor), mas pensava nele noite e dia.


O rapaz, sentindo-se desprezado, não mais a procura. Houve um desencontro entre eles. Quando Violante decidiu escrevê-lo, ele estava de partida em um navio.  Mais tarde eles iriam se reencontrar, mas Violante não era mais a mesma nem via as coisas da mesma forma.


Passados alguns anos após a experiência amorosa com Honoré, foi a vez de Violante ser desdenhada. Ela se apaixonou perdidamente por Laurence, entretanto, este não tinha olhos para uma moça do campo. Amava a vida mundana e as mulheres da corte.


Violante, dominada pelo orgulho e com o ego ferido, decidiu ir para a corte da Áustria. Achava que só seria amada se fosse igual àquelas mulheres desejadas por Laurence.  A sua natureza espirituosa, caridosa , meditativa, que fora durante toda a sua vida moldada longe da vida mundana e seus valores corrompidos, iria sofrer um duro golpe.


Fora do seu habitat natural, "no meio de tantas pessoas más", dá-se início ao seu processo de decadência.


"A vida mundana é apenas um meio. Ela oferece armas vulgares, mas invencíveis, e se eu algum dia quiser ser amada preciso possuí-las"

A doce camponesa da Estíria já se apresenta nesse trecho disposta a usar "armas vulgares " como meio para atingir seu fim,  qual seja, ser reconhecida como pertencente à alta sociedade.


Foi a decepção amorosa causada por Laurence que levou Violante para a  vida mundana, mas ela já apresentava uma inclinação interior mencionada no início do conto.


O ambiente descrito por Proust como medíocre contrastou com o bom gosto e o espírito elevado de Violante que logo se destacou, ganhou projeção.


Na corte, ela casa-se com um duque e deixa de ser a bela e doce Violante da Estíria e passa a ser a Duquesa da Boêmia.


Essa mudança não é apenas de titulação. Ela não era mais a mesma. Aquela moça que tinha a necessidade de criar, que era imaginativa, fiel aos seus sonhos, deu lugar a uma mulher superficial e dominada pela vaidade.


Aquela que antes valorizada os olhos esverdeados e atentos de Honoré foi a mesma que pouco antes de casar com o duque, odiou as suas feições atingidas por um mal que o desfigurara. Violante que só se via através de um espelho, também passou a olhar apenas o lado de fora das coisas, valorizar as aparências.


E mesmo sendo adorada, admirada e rica, apesar de toda elegância que a corte a proporcionou, Violante era infeliz. Augustin ainda tentou alertá-la:


"– Seu gosto pela música, pela reflexão, pela caridade, pela solidão, pelo campo não é mais exercido. O sucesso a ocupa, o prazer a detém. Mas só encontramos a felicidade fazendo o que amamos com as tendências profundas de nossa alma."

Mas ela não deu ouvidos e nunca mais retornou ao campo, impedida por algo que Proust vai identificar como um empecilho à reflexão e às experiências verdadeiras: o hábito.


Esse tema do hábito também será retomado no "Em busca do tempo perdido", inclusive como uma impossibilidade de acessar nossas memórias involuntárias (outro tema proustiano por excelência).



Proust foi fiel ao seu projeto literário desde os seus primeiros escritos e a leitura desse conto é relevante justamente por apresentar temas caros ao universo proustiano (a obsessão amorosa, a vida mundana decadente, o hábito) que serão desenvolvidos nos escritos posteriores, sendo uma boa porta de entrada para pensar sua concepção acerca dos mesmos.


Essa edição da Editora L & PM POCKET contém além deste, outros três contos de "Os prazeres e os dias": A confissão de uma jovem, Um jantar na cidade e O fim do ciúme.

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2 Comments

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patriciamilanis
patriciamilanis
Oct 12, 2024

Ótima indicação Naty 👏👏

Já coloquei entre minhas próximas leituras 😁

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Vais gostar, amiga

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