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Pequena digressão sobre angústia


Dos autores que trabalham com divulgação filosófica, André Comte - Sponville não é o que eu tenho mais apreço, mas é o que eu mais leio. Ou talvez seja o que eu mais tenha apreço justamente por isso. Um mini paradoxo.


Nesse livro inclassificável, já que nem mesmo o autor sabe dizer se se trata de uma obra filosófica ou literária; de ensaios ou apenas pensamentos, confidências, reflexões; ele tratará de diversos temas, entre eles, a angústia.


Nada mais humano que a angústia. Nada mais apavorante também (especialmente nos dias atuais).


Sponville fala no preâmbulo de sua obra que ela talvez seja melhor considerada como Impromptus.


Impromptus é uma pequena peça, de teatro ou de música composta "na hora e sem preparação."


Acho que esse meu texto talvez também se aproxime disso. Palavras tecladas no computador quase que ao mesmo tempo que surgem em meu pensamento, sem parar para maiores reflexões ou correções.


Nesse Impromptus, o autor trabalhará com a ideia de que a angústia não é uma patologia. Ao menos essa angústia existencial que nos acompanha durante todo o intervalo entre as duas únicas datas relevantes da vida, como dizia Fernando Pessoa, a do nascimento e morte.


Nascemos e morremos na angústia, ele nos dirá. Ela faz parte da nossa condição humana, da qual não podemos fugir.


A partir do momento que tomamos consciência da morte, da impermanência, da não garantia da vida, da nossa fragilidade e impotência diante do mundo, a angústia jamais nos abandonará.


Por definição, o que não é lá tão importante assim porque terminologias jamais conseguirão refletir fielmente o que o corpo sente (o que é uma dor?) , angústia é uma vertente do medo.


"É o medo de algo imaginário e necessário - sem objeto real, sem saída possível".

É também o medo de se perder o que se tem ou a espera daquilo que se perdeu.


De toda forma, não é um sentimento por algo que, de fato esteja acontecendo no âmbito da realidade. A velhice me angustia (um exemplo) justamente porque ainda sou jovem. A morte me angustia porque, obviamente, estou viva.


"Se toda angústia é imaginária; o real é seu antídoto."

Um ponto de vista interessante apresentado pelo autor é que as angústias se somam (tememos a velhice e a morte ao mesmo tempo), ao passo que no contato com o real, os males necessariamente se subtraem (só morremos uma vez).


Justamente por isso é mais fácil lidar com a vida como ela é , com todos os seus riscos, decepções, fracassos, mas também com suas pequenas satisfações e algumas alegrias para compensar. O que não nos livra da angústia, pelo contrário, é ela que nos fornece o terreno necessário para criarmos nossa relação com o mundo de forma mais autêntica, sem simulações, enfrentando e confrontando a nós mesmos.


Mas o que vemos acontecer atualmente é uma redução no nosso limiar de dor, no quanto de angústia conseguimos suportar. Corremos para os ansiolíticos, enchemos os consultórios dos psiquiatras. Jovens extremamente ansiosos, altos índices de suic*d.o. Isso é um triste sintoma da nossa mais completa incapacidade de aceitar a nossa vulnerabilidade existencial.


Estamos falhando como humanidade. Estamos menos humanos a cada dia.


Obviamente que há diferença entre a angústia de viver e a neurose da angústia. Temos nos perdido nessa diferenciação, colocamos tudo no mesmo pacote.


Para esta última, a medicina pode e deve fazer algo a respeito.


Para a primeira, Sponville recomenda a aceitação. Aceitar e não curar. Aceitar e não superar. Ou, para utilizar um termo da psicanálise, aceitar e não tamponar a angústia com sensações outras.


"A sabedoria está na aceitação do real, e não em sua negação."

E aceitar o mais serenamente possível.


Nisso reside a nossa sanidade psíquica. Em nossa capacidade de lidar com as provações sem desespero, vivendo (a vida como ela é) o mais corajosamente que pudermos, e acredite, nós podemos pra caramba.


Convém também não esquecermos o que bem nos disse Clarice Lispector,


"Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai."




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2 Comments

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Ótimo post Naty 👏👏

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Obrigada, amiga

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