O #lendocontonaquinta traz hoje "O homem que sabia javanês ", um conto de Lima Barreto publicado no periódico Gazeta da tarde em 28 de abril de 1911.
Nesse conto, Lima Barreto irá fazer uma crítica ao sistema brasileiro (o famoso QI - Quem indica) que favorece os pseudo intelectuais que acabam conseguindo as melhores colocações, enquanto aqueles que posssuem um verdadeiro conhecimento sobre algo não têm oportunidades.
É aquela história. Você não precisa saber algo desde que achem que você sabe. Basta ter um ar de autoridade, uma boa eloquência, se relacionar com as pessoas certas, que logo estará "dando aula de javanês " , mesmo sem saber uma única palavra da língua malaia.
É impossível não fazer um paralelo com nossos tempos atuais. Basta dar uma breve olhada nas redes sociais e logo encontraremos uma enxurrada de "especialistas", de "gurus" que vendem, muitas vezes, os resultados que não têm com base em um conhecimento estruturado em apenas "linhas gerais."
E é por isso que um clássico, como disse Italo Calvino, " é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer". Sempre que lemos um clássico temos essa impressão de que ele está falando de "hoje."
E nesse conto, Castelo é nosso pseudo intelectual. Um homem que chegou ao Rio de Janeiro na miséria, vivia fugindo de seus credores, mas que chegou a Cônsul, representou o Brasil em congressos internacionais, escrevia artigos em jornais e revistas e até almoçou com o Presidente da República. Tudo isso por causa do tal javanês do qual Castelo só sabia algumas letras.
E essa empreitada de Castelo foi bem sucedida justamente porque não havia ninguém para desmascará-lo, uma vez que ninguém sabia javanês.
É por isso que conhecimento é poder. Se você não detém um conhecimento, qualquer coisa que lhe dizem soa como verdade.
E Castelo sabia tanto que essa forma de agir funciona que, ao final do conto, ele fala que se não estivesse tão contente com sua carreira no consulado, ele seria bacteriologista eminente.
Mas vamos ao conto. É Castelo quem narra , em retrospecto, para o amigo Castro, toda a aventura de sua vida.
Ele encontra Castro em uma confeitaria já como Cônsul e escuta o amigo reclamar da burocracia brasileira. Castelo, no entanto, acha o Brasil um lugar onde se pode conseguir "belas páginas de vida" e começa a contar como conseguiu chegar ao consulado sendo professor de javanês.
Ele estava completamente falido quando leu um anúncio em um jornal, onde um barão precisava de um professor de língua javanesa.
Castelo vai então até a Biblioteca Nacional e copia todo o alfabeto javanês e passa 2 dias em casa treinando sua pronúncia. Ele também pesquisou, assim muito por cima, sobre a cultura local, o nome de alguns autores e algumas expressões básicas. Tudo isso para construir o seu pseudo conhecimento.
Ao cabo desses 2 dias, ele se apresentou na residência do Barão de Jacuecanga para se candidatar a vaga.
O barão estava em busca de um professor porque ele tinha herdado um livro de seu pai escrito em língua malaia e havia uma lenda familiar de que quem conseguisse ler o que estava escrito teria prosperidade.
O barão havia recebido o livro de seu pai que, por sua vez, já havia recebido do avó dele, mas nunca ninguém deu muita importância a essa tradição porque a situação financeira da família era confortável.
Até que os negócios do barão começaram a degringolar e ele atribuiu seu fracasso financeiro ao fato de ainda não ter lido o tal o livro em javanês.
Castelo é aceito como professor e de início ele tenta ensiná-lo o alfabeto, mas o barão não se mostra muito disposto a aprender e pede para Castelo apenas ler o que estava escrito.
Castelo começou então a "traduzir" o livro para o barão, mas na verdade ele apenas inventava algumas bobagens e todos acreditavam que ele estava de fato lendo o livro.
Ocorre que durante esse período, o barão recebe uma herança e tanto ele , quanto a sua filha e seu genro, atribuíram essa reviravolta nas finanças do barão ao professor de javanês.
O genro do barão, que era desembargador, ficou encantado com o javanês de Castelo e acabou o indicando para uma audiência com o ministro que o colocou no cargo de Cônsul.
E assim deu início a vida diplomática de Castelo. Uma carreira bem sucedida e cheia de benefícios.
Lima Barreto foi cirúrgico nesse conto em nos alertar que nem tudo que reluz é ouro. Vale muito a pena a leitura.