top of page

O Banquete (Platão)

Os gregos distinguiam o amor em sete tipos diferentes: o Eros (o amor erótico) , a Philia (a amizade íntima), o Ludus (o amor lúdico ou sedutor), o Storge (o amor familiar), a Philautia (o amor próprio), o Pragma (o amor companheiro) e o Ágape (o amor universal).


O tema central de O banquete de Platão é o amor Eros.


A obra O Banquete é dividida em um prólogo, seis discursos elogiando o amor (Eros) , sendo eles o discurso de Fedro, Pausânias,  Erixímaco,  Aristófanes,  Agatão e Sócrates , um discurso elogiando Sócrates, o de Alcibíades, e um epílogo.



Em O banquete, o Eros está ligado ao desejo do bem e a questão da imortalidade da alma como veremos no último discurso sobre o amor presente na obra, o discurso de Sócrates.


Mas antes de entrarmos no prólogo, o que era o banquete na Grécia Antiga ?


Era uma reunião que acontecia em casas de aristocratas e era dividido em dois momentos: a parte do banquete que era o jantar propriamente dito e o simpósio.


O simpósio era esse momento após o jantar (banquete) em que os homens se reuniam para debater sobre algum tema e beber vinho.


As mulheres não participavam desse momento do simpósio.


Nesse banquete de Platão, a reunião ocorreu na casa de Agatão que na véspera havia ganhado um concurso de tragédia.


Geralmente nesses simpósios se elegia um coordenador que era o responsável por propor o tema e coordenar as falas. No caso do banquete de Agatão,  quem assumiu esse papel foi Erixímaco e propôs o tema sobre o amor em atendimento a uma queixa de Fedro que dizia que nunca ninguém havia feito um elogio digno do deus Eros.


E assim se iniciou o simpósio na casa de Agatão com a dispensa da flautista e o acordo de beberem pouco vinho, pois todos estavam de ressaca da noite anterior.


Prólogo


A narrativa do O banquete se dá de forma indireta, ou seja, o narrador que no caso é Apolodoro, não está contando a história no momento em que ela acontece. O momento do simpósio e a narrativa de Apolodoro ocorrem em datas diferentes.


Apolodoro sequer esteve presente no banquete ocorrido na casa de Agatão, pois nessa época ele era criança.


Ele foi indagado por um companheiro que não é nominado na obra sobre o que as pessoas que estavam presentes no banquete falaram sobre o amor.


Apolodoro resolve, então, contar ao companheiro o que ouviu de Aristodemo que era discípulo de Sócrates e esteve presente no banquete




Os discursos


O combinado era que todos iriam prestar um elogio à Eros, iniciando por Fedro que era o autor do tema e finalizando com Sócrates.


Todos os discursos funcionam como uma preparação para o discurso de Sócrates,  onde Platão irá expor a sua visão sobre o amor, o amor platônico.


Fedro


Fedro começa seu elogio ao amor dizendo que ele , o amor, é o deus mais antigo e mais admirado de todos e por isso o mais honroso. Para provar sua afirmação recorre à cosmogonia de Hesíodo em Teogonia que diz que primeiro foi criado o caos e em seguida a terra e o amor (Eros).


"Certamente,  muito antes de tudo existia o Caos. Somente depois surgiram: Geia, de amplo seio, sólido sustento de todos os imortais que habitam o cume nevado do Olimpo, o tenebroso Tártaro, nas profundezas da terra de vastos caminhos , e Eros, o mais belo dos deuses imortais, aquele que enfraquece os membros, dominando o espírito e a vontade prudente no íntimo de todos os deuses e de todos os mortais. " (Hesíodo em Teogonia)

Na sequência, ele vai falar sobre o amante e o amado. Na Grécia antiga, esses conceitos possuíam uma conotação diferente da nossa, pois o amante não era apenas aquele que ama, mas que conduz o amado ao desenvolvimento de suas potencialidades. A relação entre o amado e o amante era vista como uma prática pedagógica. Portanto, o amante geralmente era o mais velho e o amado o mais jovem.


Fedro vai dizer que se o amante fosse surpreendido em um ato vergonhoso por qualquer pessoa , não se envergonharia tanto quanto se fosse flagrado por seu amado. Por isso,  amor é o deus capaz de guiar o homem no caminho da virtude e da honra.


Fedro vai, então, dizer que o amor é o que deve dirigir a vida de todos os homens.


Um outro exemplo que Fedro utiliza para demonstrar a força do amor é que pelo amado, o amante é capaz de tudo, inclusive de grandes sacrifícios.


Para embasar essa afirmação, Platão recorre novamente à mitologia. Fedro vai citar o caso de Alceste e de Aquiles.


Alceste era mulher do rei de Feres, Admeto. Ela se ofereceu para morrer no lugar do marido em nome do amor. Eurípides tem uma peça que leva o nome dela.


Aquiles era um herói grego, filho de Peleu e da deusa do mar Tétis. Na Ilíada, após Aquiles abandonar a guerra, Pátroco resolve ir lutar e é morto por Heitor. Pátrocolo era amante de Aquiles. Inconformado e com uma dor absurda, Aquiles resolve lutar para vingar a morte de Pátroco e indo ao encontro da própria morte. Dessa forma, Aquiles que era o amado (o mais jovem) se transforma em amante através do amor, chegando ao ápice do sacrifício de morrer por quem já está morto.


Para Fedro, o amor é sempre bom e belo e capaz de se sacrificar pelo outro, inclusive com a própria vida.


Pausânias


Pausânias vai começar seu discurso discordando de Fedro no sentido de que nem tudo é belo no amor. Toda ação simplesmente quando praticada nem é bela nem feia, mas depende da maneira como  essa ação é feita e é assim também no amor. Se praticada corretamente é bela, senão é feia. Logo, as coisas não são belas em si.


Para demonstrar essa premissa de que o amor não leva apenas ao bom e belo, ele vai dizer que não há apenas um tipo de amor, mas dois.


Pausânias vai dizer que há dois amores porque há duas Afrodites (deusas do amor). Uma, a mais velha, está descrita na Teogonia de Hesíodo e foi gerada a partir de Urano e sem mãe e é chamada de Urânia, a celestial. Essa origem da deusa demonstra, para Pausânias,  a superioridade do elemento masculino.


"Assim que os genitais (de Urano) foram cortados com a dura pedra, Crono lançou da Terra firme sobre o Pontos agitado pela ondas, onde por muito tempo flutuaram sobre a superfície das águas. Uma espécie branca desprendeu-se da carne imortal, envolvendo-a completamente. E dessa espuma criou-se uma virgem . (...) Ali pisou a terra uma deusa bela e sensual. A cada um de seus passos a relva crescia sob formosos pés, e deuses e homens chamaram-na Afrodite , pois surgiu dentre a espuma."

E a outra mais jovem, que de acordo com a poesia homérica, é filha de Zeus e Dione (elemento masculino e feminino), foi chamada de Pandêmia,  a popular.


Dessa forma, o amor gerado a partir da deusa mais jovem,  Pandêmia,  é mais inconsequente,  faz o que lhe ocorre. Os homens vulgares e os desprovidos de inteligência são os afetados por esse amor que visa mais o corpo que a alma.


Esse amor só se preocupa em concretizar o ato sem se importar se esse ato é decente ou não.  Por isso, esse amor leva o homem a fazer não apenas o que é bom, mas também o que é mau. Ele vai dizer que esse amor afeta tanto homens quanto mulheres mais jovens.


Já o amor derivado de Urânia é um amor mais velho e por isso mais sábio. Esse tipo de amor se afeiçoa ao que é de natureza mais forte e que tem mais inteligência. Esse amor, por ser mais maduro, se afeiçoa os que começam a ter juízo e barba feita, ou seja, não está relacionada à juventude que ama o corpo. Esse amor não engana e é o amor para viver por toda a vida.


Depois de desenvolver seu pensamento, Pausânias volta ao seu discurso inicial de que nem tudo é belo no amor. Ele vai dizer que  se o amor é decentemente praticado é belo e se, indecentemente, feio.


Ele será indecente quando é um mau e é mau justamente aquele amor que deriva da Afrodite jovem , que ama mais o corpo que a alma , porque esse amor não é constante já que ama o corpo que também não é constante.


Já o segundo tipo de amor , o celestial, que é mais maduro porque deriva da Afrodite mais velha , é por toda vida porque é constante porque ama o que é constante, a alma, e esse é o amor bom e portanto, desejável.


É a esse amor constante, que não ama apenas o corpo, que devemos procurar e o outro amor imaturo e inconsequente, fugir.


Para Pausânias,  o tempo precisa se estabelecer para que  se possa avaliar de que tipo é esse amor, se belo, o amor ao que é constante, ou feio, o amor ao que é inconstante.


Sendo assim, o amor que levará ao caminho da virtude é aquele praticado belamente, o celestial, o amor de Urania. É um amor que exige esforço tanto do amante (o mais velho) quanto do amado (o mais jovem).


Pausânias vai defender abertamente a pederastia como uma forma de amor celestial.


A pederastia era um comportando comum na Grécia antiga, pois eles não compreendiam a sexualidade como os modernos. Para os gregos, o amor heterossexual estava ligado à procriação e o amor homossexual à educação.


Aristófanes seria o próximo a falar, mas como estava tendo uma crise de soluços,  a palavra passou para o médico Erixímaco.


Erixímaco


Erixímaco inicia seu discurso falando sobre a universalidade do amor. Para ele, o amor não está apenas nas almas dos homens, mas também nos animais, nas plantas da terra e em todos os seres e ele sabe disso a partir da prática da medicina que ele considera uma arte.


Erixímaco, então, apresentará a teoria do equilibrio entre opostos. Quente e frio, seco e úmido, amargo e doce, o sadio e o mórbido.


Esses dois estados são dessemelhantes e o dessemelhante deseja e ama o dessemelhante.


E ele vai dizer que a medicina, assim como a música,  é capaz de suscitar o amor e a concórdia  porque são capazes de harmonizar esses elementos discordantes.


Para exemplificar, ele vai citar o caso do agudo e do grave que são discordantes entre si, mas que se harmonizam através da arte musical.


Erixímaco concorda com Pausânias que o amor seja duplo, mas o duplo amor de Erixímaco não resulta de duas afrodites como afirmou Pausânias em seu discurso, mas das Musas.


Em Teogonia de Hesíodo,  as musas são divindades, filhas de Zeus, habitantes do monte Hélicon e que são fontes divinas de inspiração. São nove as filhas de Zeus (musas) geradas em nove noites de amor entre Zeus e Mnemósine (memória): Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Érato, Polímnia, Urânia e Calíope.


O amor da musa Urânia seria o amor celestial e o amor da musa Polímnia seria o popular. O amor celestial é o amor dos moderados e dos que desejam se tornar moderados e portanto, um amor sadio. Já o amor de Polímnia,  é o da intemperança e portanto, mórbido. Desse amor deve-se colher o prazer que esse amor oferece sem que cause danos na alma da mesma forma que deve-se desfrutar do prazer da arte culinária sem que isso cause doenças ao corpo.


Então Erixímaco vai defender a tese de que, na medida do possível, deve-se conservar os dois amores, mantendo-se um equilíbrio entre eles.


Ele vai dizer que tudo na natureza é composto por esses dois amores (de Urânia e de Polímnia) e quando esses contrários se tomam de um amor moderado um pelo outro, essa harmonia traz bonança e saúde aos homens, aos animais, às plantas,  mas quando é o outro amor, o da intemperança que se torna mais forte, causa muitos estragos e ofensas, pestes e várias doenças.


Dessa forma, o poder do amor é universal, mas aquele que traz felicidade, que é consumado com sabedoria e justiça entre os homens e entre os deuses é o amor moderado, o sadio.


Aristófanes


Aristófanes em seu elogio ao amor irá apresentar um mito que ficou muito popular e também foi utilizado em diversas outras correntes de pensamento como, por exemplo, na psicanálise: o mito do andrógino ou o mito da alma gêmea.


Segundo Aristófanes,  nos tempos da criação o ser humano não era formado apenas por dois gêneros, o masculino e o feminino. Havia um terceiro gênero chamado andrógino que era composto pelos outros dois.


Também o ser humano não era como se conhece hoje com um corpo contendo duas pernas, dois braços, uma tronco e uma cabeça,  mas possuía uma estrutura circular , quatro mãos, quatro pernas, dois rostos , dois sexos e tudo mais.


O gênero masculino era como que formado por dois homens, o feminino por duas mulheres e o andrógino por um homem e uma mulher.


O gênero masculino era descente do sol, o feminino da terra e o andrógino da lua.


O homem, nesses tempos da criação, era dotado de muita força.


Ocorre que o ser humano era também muito presunçoso e tentou investir contra os deuses.


Tentaram fazer uma escalada até o céu para destronar Zeus.


Zeus ficou muito irritado e decidiu matar todos os homens, mas se fizesse isso não teria quem prestasse honrarias aos deuses.


Zeus muda de ideia e decide castigar o ser humano de outra forma. Ele decidiu que iria cortar cada um em dois. Assim tanto o ser humano se tornaria mais fraco como também seriam mais numerosos e assim os deuses teriam mais adoradores.


Zeus também decidiu que o homem andaria ereto sobre duas pernas e caso a arrogância humana não fosse apaziguada , ele iria cortar novamente deixando o homem com uma perna só.


O ajudante de Zeus nessa missão de dividir o ser humano foi Apolo.


Zeus também determinou a Apolo que durante o corte cada rosto ficasse de frente um para o outro para que, contemplando a própria mutilação,  o ser humano se tornasse mais moderado.


Nesse modelo de criação de Aristófanes o ser humano era inteiro , completo, mas desde que a sua natureza foi mutilada em duas,  o ser humano vive à procura dessa metade perdida.


É por isso que o amor está a tanto tempo implantado nos homens na tentativa de restaurar a sua antiga natureza e de uni-los novamente em um só.


É por isso, diz Aristófanes,  que estamos todos à procura do nosso próprio complemento.


Se o ser original fosse,  por exemplo, do sexo masculino , então o seu complemento seria outro homem. Se o ser original fosse do sexo feminino , seu complemento seria outra mulher e se o ser original fosse um andrógino,  seu complemento seria o sexo oposto.


Assim, o mito do andrógino também se torna o primeiro mito a tratar a homossexualidade como algo inerente à natureza humana.


Como na criação de Aristófanes nós éramos um todo inteiro, o amor seria o desejo e a procura desse todo. O amor é , portanto, uma força restauradora.


Dessa forma, o amor deveria ser glorificado, pois através dele temos a esperança de, restaurada nossa natureza primitiva, ou seja, encontrada a nossa metade, nos curarmos e sermos felizes novamente em um.


Agatão


O próximo a discursar é Agatão,  poeta trágico e anfitrião do banquete.


Ele inicia seu discurso dizendo que todos os outros prestaram elogios ao amor , porém não pareciam elogiar o deus, mas os benefícios que os homens recebiam desse deus.


Ele elevará a discussão a outro patamar dizendo que antes de prestar um tributo ao amor, é necessário se perguntar: Qual a natureza do amor ?


É isso que Agatão tentará demonstrar ao longo do seu discurso.  A natureza do amor.


Ele inicia discordando de Fedro e dizendo que, primeiramente,  o amor é o mais jovem dos deuses e não o mais antigo e ele diz isso porque o amor está sempre em companhia dos jovens e odeia a velhice e como ele toma como verdadeira a expressão que diz que "semelhante sempre do semelhante se aproxima ", o velho "diga-me com quem andas que te direi quem és", então o amor é também jovem.


Em seguida ele dirá que o amor é também delicado. Para justificar sua conclusão,  ele utilizará um verso da Ilíada onde Homero diz que a deusa Afrodite possui os pés delicados e que ela não se move sob o solo que é duro. Assim, o amor não andará sobre a terra , nem sobre as cabeças que não são moles, mas no que há de mais brando entre os seres.


Se o amor reside por sua delicadeza no que há de mais brando entre os seres, o amor só pode resider nas almas de deuses e homens, mas não indistintamente,  pois nas almas de costumes rudes ele não permanece.


Para Agatão, o amor é também úmido. Ele não é rígido, inflexível.  E por sua natureza úmida, fluída, ele consegue preencher toda a alma humana.


O amor é também o mais belo entre os deuses. Para confirmar a beleza do amor, basta dizer que o amor só fica nos lugares floridos e perfumados. Onde não floresce, o amor não permanece. Agatão mais adiante dirá que "no feio não se firma Amor."


O amor é também virtuoso, pois não comete injustiça ou violência, nem entre os deuses nem entre os homens.


A temperança,  que é o domínio dos prazeres e desejos, também faz parte da natureza do amor assim como a coragem e a sabedoria.


O amor é quem tira a estranheza e promove a paz e a amizade entre os homens e deuses, incutindo brandura e excluindo a rudeza.


O amor é incapaz de qualquer mal, protetor e salvador supremo e guia belíssimo e excelente que todo homem deveria seguir.


Para Agatão,  portanto, a natureza do amor é jovem, bela, delicada,  virtuosa, temperante,  justa e sábia.


Sócrates será um grande crítico desse discurso de Agatão, pois para ele, Agatão faz uso da retórica para falar sobre o amor, pois o seu discurso é belo na forma, mas vazio na substância, uma vez que não consegue demonstrar a verdadeira natureza do amor.


Para Sócrates,  o filósofo deve ir em busca da verdade e não apenas fazer um discurso contaminado pela retórica.


Dessa forma, passemos ao discurso de Sócrates.



Sócrates


Após o discurso de Agatão,  chegamos ao ponto alto do diálogo platônico com o discurso de Sócrates.


Sócrates inicia sua fala através do método que ficou conhecido como método socrático que consistia em uma técnica de investigação filosófica, onde o orador fazendo uso do diálogo, levava seu interlocutor a um processo de autorreflexão. Assim, partindo do que disse Agatão sobre o problema da natureza do amor, ele pergunta : Seria da natureza do amor o Amor que é amor a algo ou a nada?


E Agatão responde: a algo, sim. Logo, o amor é amor em relação à um objeto.


Então, Sócrates passa para o outro nível de seu raciocínio e questiona Agatão sobre se o Amor, aquilo de que é amor, ele deseja ou não?


Agatão prontamente responde que sim, deseja.


Sócrates prossegue. Se ele deseja e ama , deseja e ama o que tem ou o que não tem?


E toda a conversa entre eles daqui para frente se dá para demonstrar que o amor ama e deseja aquilo que ele é carente, ou seja, o amor nasce de uma necessidade.


Então, segundo Sócrates, a natureza do amor não pode ser boa e bela como afirmou Agatão, pois se ele ama e deseja aquilo que não tem, e o amor carece do bom e do belo, então ele não é nem bom nem belo.


Então a natureza do amor seria feia e má?


Sócrates vai, então, introduzir uma personagem provavelmente fictícia chamada Diotima, uma sacerdotisa de Mantineia para dizer que ele próprio não sabe responder a essa questão, mas Diotima o explicou tudo que ele sabe sobre o amor. Assim, inserindo Diotima no banquete, Sócrates dá à sua explanação o aspecto de revelação divina.


Sócrates passa a explicar o pensamento de Diotima que também segue inicialmente o discurso dialógico.


Diotima questionando Sócrates pergunta: o que não é belo é necessariamente feio? E o que não é sabio é necessariamente ignorante ?


E ela segue seu discurso para demonstrar que não, pois existe um estado intermediário entre esses dois extremos e o amor seria dessa natureza intermediária.


Na sequência, Diotima/Sócrates conduz sua explanação para dizer que nem mesmo um deus o amor é como afirmaram todos os anteriores, pois se a natureza do amor não é boa ou bela em si mesma, já que o amor deseja o que não possui e se ele deseja o bom e o belo é porque carece deles e todas os que são felizes possuem o bom e o belo , então o amor não pode ser um deus,  pois todos concordavam no ponto de que todos os deuses são felizes e belos.


Então, se o Amor não é um deus, o que ele seria? Um mortal?


Ora, responde ela, se já concordamos que o amor é algo entre uma coisa e outra , o amor é algo entre o mortal e o imortal.


Diotima vai falar que, na verdade, o amor (o Eros) seria um gênio, um daímon. O daímon grego seria uma entidade sobrenatural entre um deus e um herói.


Sócrates a interpela para saber qual poder teria esse gênio e ela magistralmente dirá que o poder de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens (súplicas e sacrifícios) e aos homens o que vem dos deuses (ordens e recompensas) de forma e como está no meio de ambos (por sua natureza intermediária) ele os completa unido o todo a si mesmo.


Os deuses e os homens não se misturam , mas é através desse ser, desse gênio que é o amor que essa convivência e diálogo entre deuses e homens pode existir.


Portanto, no discurso de Sócrates o amor estaria ligado à transcendência.


E quem é seu pai e sua mãe? , pergunta Sócrates.


Então, Diotima sai do discurso dialógico para o alegórico para explicar a origem do Amor, recorrendo mais uma vez à mitologia.


Segundo Diotima, o amor seria filho do Recurso e da Pobreza. Recurso seria filho da Prudência. Quando os deuses comemoravam o nascimento de Afrodite,  Recurso teria bebido demais e adormecido no jardim de Zeus. Pobreza, então, se aproveita do sono profundo de Recurso , deita-se ao seu lado e concebe o Amor.


Pela natureza da mãe,  o Amor não seria delicado e belo como afirmavam os discursos anteriores, mas duro, seco, descalço e sem lar, e pela natureza do pai o Amor seria insidioso com o que é belo e bom, corajoso, decidido, enérgico e ávido de sabedoria.


Logo,  sua origem confirmaria mais uma vez a natureza intermediária do amor, pois é filho de um pai rico e sábio e de uma mãe que não é sábia e é pobre.


Diotima volta a indagar Sócrates de o porquê uns amam e outros não e Sócrates dirá não entender a razão.


Diotima vai explicar que é porque destacamos do amor uma parte e damos o nome do todo. Nem tudo que chamamos de amor é amor,  assim como nem tudo que dizemos ser poesia é poesia,  mas somente as partes que de referem à músicas e aos versos.


Em suma, o amor é o desejo do bem, mas não apenas ter o bem , mas sempre ter.


E se o amor é o amor de ter sempre consigo o bem, logo o que se deseja é a imortalidade.


Para Platão, a imortalidade, o perpétuo e imortal no ser vivo que é mortal se dá com a concepção e geração.  É na geração que tudo que é mortal se conserva, pois deixa um ser novo no lugar do velho e isso não se dá no que é feio porque o feio é inadequado a tudo que é divino. Logo, o amor só pode se dá da geração e parturiação no belo.


Portanto, amar é gerar na beleza e dessa forma participar da imortalidade, mas essa geração no belo não se dá apenas no corpo, mas também na alma.


Diotima vai, então, contra o discurso de Fedro ao citar os sacrifícios realizados por Alceste e Aquiles, pois esses sacrifícios também estariam ligados à um desejo de imortalidade. É em nome de uma glória imortal que tudo todos fazem.


Mas se o amor é o desejo do bem e amar é gerar no belo, qual a relação entre bem e belo para Platão?


Para explicar isso, Platão através do discurso de Diotima /Sócrates vai dizer que o amor ocorre em graus e esses graus se dão a partir da contemplação do belo.


Primeiramente, o jovem ama um belo corpo. Depois, compreendendo que a beleza de um corpo é irmã da que está em qualquer outro, ele passa a amar todos os corpos.


Depois disso ele compreende que a beleza que está na alma é mais preciosa que a beleza que está no corpo.


Em seguida ele amará os ofícios, as leis e as ciências e até que das belas ciências acabe naquela ciência que nada mais é que a do próprio belo, chegando assim ao último degrau do amor que é o amor ao belo em si.


É a contemplação desse divino belo que chamamos de amor platônico.


E é somente evoluindo nessa escada de contemplação do belo que o homem poderá gerar e criar a virtude verdadeira.


Assim, o belo gera o bem, a virtude e não no corpo que é o grau mais básico do amor, mas na alma.


O amor platônico que erroneamente associamos a amor não correspondido, é a contemplação do belo que gera o bem, a virtude, e que permite a ligação entre os homens e os deuses.


Alcibíades


Encerrada a fala de Sócrates, Alcibíades chega embriagado ao local e é convidado a entrar.


Erixímaco informa que todos já prestaram seus elogios ao amor e sugere a Alcibíades elogiar Sócrates.


Sócrates afirma que o amor de Alcibíades se tornou um problema pra ele , pois ele é ciumento e invejoso.


Alcibíades começa dizendo que louvará Sócrates através de imagens. Ele associou Sócrates aos silenos (também chamados de sátiros) . Os silenos eram divindades campestres que abertas ao meio, revelavam em seu interior estatuetas dos deuses. Assim como Sócrates que está cheio de sabedoria por dentro.


Também representou Sócrates por Mársias, um exímio flautista que desafiou Apolo com sua lira. Apolo venceu Mársias e como castigo o esfolou vivo. A diferença entre Mársias e Sócrates é que Mársias encantava os homens com sua flauta, enquanto Sócrates encantava os homens com as palavras.


Alcibíades revela todas as artimanhas que armou para seduzir Sócrates,  o qual não correspondia a seu amor.


Afirma que Sócrates não se comportava como um amante, mas como um bem amado e finaliza alertando Agatão que não seja como o tolo que "só depois de sofrer aprende."


Epílogo


Após a fala de Alcibíades o simpósio é finalizado. Erixímaco, Fedro e mais alguns se retiraram e partiram.


Aristodemo conta para Apolodoro que ele próprio acabou pegando no sono e quando levantou, já com o dia amanhecendo, estavam acordados apenas Agatão, Aristófanes e Sócrates que bebiam vinho em uma taça que passava da esquerda para a direita.


Aristodemo não se recordava do teor da conversa, mas disse lembrar que Sócrates falava com os demais que um mesmo homem sabe fazer comédia e tragédia e que aquele que com arte é um poeta trágico é também um poeta comigo.


Após esse diálogo, todos partem inclusive Sócrates.


Considerações finais


A leitura da obra platônica requer algumas releituras. Mesmo O banquete ser considerado um dos diálogos mais fáceis de Platão, releituras são essenciais para nos aprofundarmos nas suas ideias.


Primeiro porque mesmo sendo um  texto filosófico, Platão embasa muito de sua narrativa nos mitos gregos. Ao fazer a leitura necessitei parar para realizar pesquisas extras sobre os exemplos mitológicos citados.


Segundo porque inicialmente nos apegamos muito ao conhecimento dos discursos individuais, mas eles não devem ser lidos de forma independente,  pois cada discurso está ligado ao que lhe precedeu em uma escala crescente de complexidade.


Mas ressalto que vale muito a pena o esforço,  pois a filosofia platônica será de suma importância para o pensamento ocidental.


Minha próxima leitura de Platão será o diálogo Fedro, pois há uma correlação temática com o banquete aqui apresentado.
























1.322 visualizações3 comentários

Posts recentes

Ver tudo

©2023 por A leitora clássica 

  • Instagram
bottom of page