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Filosofia Felina (John Gray)

Atualizado: 8 de fev.

Quando vi esse livro em uma tarde domingueira na livraria, imediatamente pensei na minha gata Atena.


Fiquei um momento parada diante da prateleira refletindo sobre esse subtítulo ("Os gatos e o sentido da vida") e me questionei: O que Atena tem me ensinado sobre a vida e sobre o amor ?


Lembrei -me  dos momentos em que, deitada na cama lendo, ela se aproxima e me pede carinho. Interrompo minha leitura satisfeita em poder dar a ela meu afeto. Depois ela vai para o cantinho da cama onde coloco meus pés e fica lá com seu olhar contemplador direcionado para qualquer coisa.


Eu retomo minha leitura e tudo fica bem.


Eu não fico me perguntando se Atena está me ignorando, se ela está insatisfeita comigo, se eu errei em alguma coisa para ela parar de querer o meu amor naquele momento. E não me questiono sobre isso porque sei que essa é a natureza dos gatos. Atena também não fica pensando (até porque não é próprio dos gatos elaborar abstrações) se estaria me incomodando ao aproximar-se. Ela apenas chega e quando não quer mais, simplesmente  se afasta.


E assim seguimos... com simplicidade e fluidez, nos respeitando como somos.


Atena  tem me ensinado sobre amor e limites mais que muitas teorias por aí.


Lembrei - me de uma frase do escritor Júlio Cortázar que diz :


" Amar as pessoas como se ama um gato, com seu caráter e independência, sem tentar domesticá-lo, sem tentar mudá-lo, deixando -o vir quando quiser, sendo feliz com sua felicidade."

É sobre essa natureza felina que o autor John Gray, até então desconhecido para mim, irá abordar no livro e o que ela tem a nos ensinar.



Para quem não convive com animais de uma forma em geral, mas especialmente com gatos, pode achar estranho o que teríamos a aprender com eles, já que nós (animais humanos) é quem deveríamos ensiná-los algo, nós os domesticamos,  nós elaboramos pensamentos abstratos , temos consciência , eles são naturalistas, só vivem por instinto, portanto somos superiores a eles.


René Descartes, aquele do "Penso, logo existo", também tinha essa ideia de que os animais não tinham uma existência consciente e para provar sua teoria jogou um gato pela janela e deduziu que seus gritos de terror eram apenas reações mecânicas.


O fato é que isso não tem importância e de certa forma, como também percebeu Montaigne, os tornam até mesmo superiores a nós.


Primeiramente porque, segundo o autor, a falta de capacidade em elaborar conceitos abstratos é uma prova da sua liberdade mental e isso faz com que eles não sejam governados pela palavra. Eles confiam no que tocam, vêem e sentem e por isso estão livres da palavra. Diferente de nós, animais humanos, que temos uma fé supersticiosa na linguagem.


Segundo que os gatos se contentam em serem gatos. Estão felizes sendo gatos. Saber viver é uma característica que lhes é inata e por isso não precisam da filosofia.


Sobre essa pseudo superioridade humana, já quase no final do livro o autor diz uma frase que resume toda essa questão:


" Os seres humanos perdem rapidamente a sua humanidade, ao passo que os gatos nunca deixam de ser gatos."

Podemos facilmente ser mais irracionais que o animal mais irracional.  A história está aí para provar isso.


O autor vai apresentar o pensamento de vários filósofos de tradição racionalista que visavam demonstrar que essa vida consciente é a melhor vida a ser vivida, mas veremos que, nesse aspecto, os animais não humanos levam uma certa vantagem em relação à nós.


Para o autor, assim como para os taoistas, a autoconsciência não é um benefício, mas um obstáculo à vida boa.


"Ao contrário do que pensava Sócrates, uma vida examinada pode não valer a pena a ser vivida. "

Então,  podemos dizer que já temos a primeira lição que podemos aprender com os gatos (e os animais em geral): Você não é um ser superior só porque acha que pensa. Se dê a devida desimportância na hierarquia cósmica.


O fato é que os gatos ganharam má fama a partir da idade média quando foram associados à espécies malignas, ligadas à bruxarias e até hoje há quem não goste dos felinos por superstições como estas.


De acordo com o pensamento do autor, essa ojeriza aos gatos pode ser explicada por outro sentimento: o da inveja. Os gatos são seres independentes por natureza. "Mesmo dependendo de nós, eles continuam independentes de nós." O homem não consegue conceber um ser vivo assim : livre, independente e naturalmente feliz.


Para nós humanos, a felicidade está sempre em algum ponto distante do futuro. Procuramos pela felicidade no amanhã enquanto o agora nos escapa. Os gatos não precisam dessa distração porque não precisam fugir de si mesmos.


Mas para pensadores como Pascal, esse sentimento de infelicidade que é próprio do ser humano é a prova de nossa superioridade em relação aos outros animais.


" A grandeza do homem provém de saber que é infeliz." (Pascal)

Essa autoconsciência não gera apenas o sentimento de infelicidade,  mas resulta também em outra característica definidora do ser humano: o medo da morte. Os gatos, por sua vez, só lembram da morte quando ela já está por chegar. Suas vidas se desenrolam na medida em que acontecem.


Os gatos não precisam da uma ideia de uma outra vida para dar sentido a esta e redimi-los do vazio, já nós bichos humanos, não suportamos a ideia da morte. É por isso que crenças que nos apresentam algum vislumbre de imortalidade são tão atraentes para nós. Não podemos tolerar a ideia da nossa não existência.


Essa consciência da morte é que nos faz procurarmos incessantemente um sentido para a vida.


Outro ponto que nos difere dos gatos é o nosso medo da solidão. Os gatos são caçadores solitários e quando se relacionam com outros gatos não é para fugir do tédio ou do desespero. O homem é o único animal que  não aguenta a própria companhia.


Algo que gostei bastante nesse livro é que o autor traz diversas referências de textos com histórias de felinos e através dessas histórias apresenta sua visão sobre esses conceitos que tanto inquietam a mente humana como a morte, a felicidade e o próprio sentido da vida em si.


Um desses textos me emocionou bastante e já separei para uma leitura futura: O gato perdido de Mary Gaitskill que aqui no Brasil sai pela Editora Todavia.


Ele também fala de filósofos e escritores como Montaigne,  Schopenhauer, Patrícia Highsmith, Nikolai Berdiaev e suas relações com os felinos.



Mas de volta à livraria, refletindo sobre o que a minha gata Atena poderia ter me ensinado sobre essas questões, lembrei-me dos momentos que passamos juntas. Quando estamos brincando, trocando carinhos, eu não paro para pensar se estou sendo feliz, eu apenas sou.


Acho que isso é o que de mais valioso Atena tem me ensinado, que o sentido da vida é viver.


" (....) a melhor vida para qualquer coisa viva é a existência em si mesma ."














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patriciamilanis
patriciamilanis
21 de mar.

Lindo Naty 💜

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❤️❤️❤️

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