Você já se sentiu tomando um café e batento um papo com seu escritor favorito ? Foi essa sensação que tive lendo esse livro que traz um compilado de entrevistas concedidas por Clarice Lispector desde 1941 quando ainda era estudante do curso de direito até a sua famosa e última entrevista à TV Cultura de 1977.
A cena que habita minha cabeça é a seguinte: Clarice e eu estamos em seu apartamento em Copacabana. Clarice está trabalhando em seu último romance com a máquina de datilografia no colo, os filhos correndo ao redor da casa e eu tomando um café e observando o mar da janela enquanto conversamos.
Clarice levava uma vida absurdamente comum.
Cuidava da casa, dos filhos, ia ao supermercado, teve dificuldades financeiras. Uma vida cotidianamente comum para um MITO, título aliás, que ela não apreciava. Dizia que isso a incomodava por que prejudicava a sua aproximação com as pessoas e a condenava a viver sozinha. Clarice, apesar de não ser uma pessoa extrovertida, gostava de contato e afeto.
Extremamente humilde, não se considerava uma escritora profissional nem mesmo quando já contava com 12 obras publicadas. Ela se dizia amadora e fazia questão de ser amadora. Não escrevia por obrigação, nem com prazo fixo e não tinha o hábito de reler as obras que publicava. Às vezes, nem mesmo corrigia as provas. Dizia que era estranho se ler e se admirava como uma pessoa tão simples podia ser tão complexa ao escrever. Clarice se considerava uma pessoa simples e sem sofisticação.
Em 1969 , Clarice ainda não conseguia viver de literatura. Atuou como jornalista, tradutora e depois cronista. Passou a escrever crônicas por conselho de Rubem Braga. Queria escrever como ele e como (segundo ela) não conseguia, teve que se virar com seu próprio estilo.
Sobre a obra literária, sempre priorizou a liberdade de criação. Dizia só conseguir trabalhar inspirada, nada premeditado, só escrevia quando sentia necessidade. E se considerava muito lida não por que tivesse algo de relevante a dizer, mas só por que ela estava na moda. Nos seus livros, ela dizia, tinha lá " uns recadinhos" .
Dizia que seu sotaque, que muitos atribuíam a sua origem russa, era por que tinha a língua presa e não queria operar. Não falava nada em russo. Seu primeiro idioma foi o português e se sentia inteiramente BRASILEIRA e pertencente à literatura brasileira e não admitia que dissessem o contrário.
Não se considerava uma grande leitora. Não vivia ente os livros. Não se achava intelectualizada e sim intuitiva. Gostava de novelas. Não gostava dos chamados "meios intelectuais " ou "o mundo superficial dos literatos".
Sua literatura intimista foi alvo de críticas, mas também lhe rendeu comparações a nomes como Joyce, Proust , Wolff.
Dizia que cada leitor tinha a sua interpretação pessoal de seus livros e não acreditava em explicações absolutas sobre o que havia escrito.
Clarice só se considerava escritora quando escrevia. Antes de mais nada era mulher e mãe, o que dizia ser sua principal atribuição na vida.
Clarice é como seus livros. Usando as palavras da própria autora sobre sua obra e que naturalmente pode-se atribuir a ela própria: "suponho que entender não é questão de inteligência e sim de sentir e de entrar em contato." Ou toca ou não toca.