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Em louvor da sombra (Junichiro Tanizaki)

Atualizado: 16 de fev.

O que é o belo? A beleza é objetiva (está no objeto) , e portanto algo será belo, indiscutivelmente? Ou é subjetiva (está no sujeito que observa) ? Fatores históricos, culturais, interferem na nossa concepção  de beleza?


Essas questões vêm sendo discutidas desde Platão e percorrem todo o corpo da filosofia.



Para o autor desse ensaio escrito em 1933 (e para os orientais de um modo geral), o belo reside nas sombras que ocultam detalhes do objeto, favorecendo, dessa forma, outros prazeres estéticos além do visual. Ao contrário da cultura ocidental que tem a luminosidade como elemento primordial.


Ele vai dizer que


"Mas como a beleza sempre se desenvolve em meio à realidade do nosso cotidiano, nossos antepassados, obrigados a habitar aposentos escuros, descobriram beleza nas sombras e, com o tempo, aprenderam a usar as sombras para favorecer o belo."

Ou seja, a sua concepção de belo foi formada a partir da tradição cultural, repassada por seus antepassados que tiveram que se adequar a natureza e aos poucos recursos e aprenderam a extrair a beleza a partir do que o autor chama de magia das sombras.


Já os ocidentais não procuraram essa adequação ao meio , mas superá-lo. Veio a vela, depois o lampião, depois o lampião a gás e por fim, a energia elétrica. Sempre em busca da maior claridade possível.


Nesse ensaio, o autor usará desse contraste entre o ocidental e o oriental, a modernidade e a tradição, a claridade e a penumbra, para tecer um elogio à cultura japonesa que valoriza a sombra presente nas mais variadas expressões: arquitetura, culinária,  cinema, teatro, vestuário, etc.


Por exemplo, na arquitetura japonesa os telhados são os primeiros a serem construídos. Projetam uma sombra densa pelo beiral e nessa cavidade escura se constrói a edificação. Já nas construções ocidentais, o telhado serve mais para proteger da chuva do que do sol, já que a intenção é deixar o interior mais iluminado possível, evitando a formação de áreas sombrias.


Na culinária, os japoneses utilizam louça escura em laca em lugar das porcelanas claras do ocidente. O autor vai dizer que ao pegar uma tigela em laca (wan)  não se percebe a diferença entre ela e o seu conteúdo (um caldo que tem a mesma cor do recipiente) e, por isso, outras sensações podem surgir através do balanço do líquido sentido ao segurar a wan e pela sua borda suada que exala um vapor perfumado. Experiências que propiciam sentir o sabor do caldo antes mesmo de levá-lo à boca.


Esse prazer não seria possível se o caldo fosse servido em porcelana branca que revelaria de imediato todo o interior.


"(...) a excessiva iluminação que desvenda e exibe todo o detalhe é ofensa ímpar."

Nos utensílios de uso cotidiano o que os japoneses mais apreciam é o seu aparente envelhecimento. Enquanto no ocidente os utensílios em prata são polidos até brilhar, os japoneses não os lustram.  É agradável ao seu olhar ver a passagem do tempo esmaecendo o brilho do metal, um brilho que remete ao lustro dos anos.


Esse brilho é adquirido através da manipulação desses objetos que ao serem tocados constantemente absorvem a gordura das mãos. O autor fala que "a sujeira estimula a estesia."


" Seja como for, as coisas que apreciamos como belas e requintadas têm em sua composição parcelas de sujeira e desasseio, não há como negar. Em contraposição ao ocidental, que renega o sebo e tudo faz para livrar-se dele. (...) faz parte da natureza do oriental valorizar, preservar e glorificar objetos marcados por constante manipulação, fuligem, chuva e vento, e amar tudo que tenha a cor ou o brilho de tais objetos. "

Nas residências japonesas de antigamente, a iluminação interna tinha como objetivo apenas facilitar a leitura, a escrita ou a costura, uma iluminação geralmente indireta, mas com a chegada da energia elétrica, seu uso passou a ter a funcionalidade de eliminar as sombras de todos os espaços.


Para o autor , o uso exagerado de energia elétrica retirou-nos essa sensibilidade para admirar a beleza surgida através da penumbra, algo que eu concordo perfeitamente.  Basta observarmos o céu a noite em um local não iluminado para percebemos uma outra espécie de beleza na lua e nas estrelas que nos é ofuscada pelo excesso de claridade dos ambientes urbanos.


Em resumo,


"Nossa maneira de pensar é esta : a beleza inexiste na própria matéria, ela é apenas um jogo de sombras e de claro - escuro  surgido entre matérias. Da mesma maneira que uma gema fosforescente brilha no escuro mas perde o encanto quando exposta à luz solar, creio que a beleza inexiste sem a sombra "

Eu sou suspeita para falar. Admiradora incondicional do céu ao entardecer,  me fascina esse "entremeio". Nem sol nem lua. Nem claro nem escuro. Mas diferentes matizes lilases, vermelhas, alaranjadas que só um belo pôr do sol pode fazer surgir no horizonte diante dos nossos olhos contemplativos e pasmos.


Amei essa leitura. A escrita do autor é deliciosa. Seu ensaio tem como objetivo, pelo menos no campo literário, de trazer de volta esse passado que foi perdido com a chegada da modernidade.



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3 Comments

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Amiga, gosto muito de um ambiente sem iluminação direta. Me trás uma sensação de relaxamento e descanso para os olhos...

Achei muito interessante a proposta desse ensaio.

Sabe que ando querendo ler algum livro da cultura oriental, teria alguma indicação?

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Já anotei a dica aqui 😉


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