O conjunto da obra de Honoré de Balzac, composta por todos os seus romances e narrativas curtas, é chamado de A comédia humana.
Esse monumento literário, composto por 88 livros é dividido em 3 partes: Estudos de costumes, estudos analíticos e estudos filosóficos .
Estudos de costumes se subdivide em 6 séries temáticas: cenas da vida privada, cenas da vida provinciana, cenas da vida parisiense, cenas da vida política, cenas da vida militar e cenas da vida rural.
Apesar dessa divisão, seu autor, Honoré de Balzac, o considerava um livro único.
O título unificado de "A comédia humana" , clara referência à "Divina comédia" de Dante Alighieri, só foi instituído pelo autor em 1842.
Considerado o pai do romance moderno, Balzac trouxe para a literatura a ideia de representar todos os tipos humanos e realidades possíveis. Tal como Conde de Buffon fez com a ciência natural, Balzac queria fazer com a sociedade, ou seja, catalogar todos os tipos de seres humanos e de costumes existentes na França em um período histórico específico.
No livro "Balzac e A comedia Humana", Paulo Ronai vai nos dizer que
"Para ele (Balzac), o romacista era o historiador dos costumes de sua época. Também falando de si mesmo, nunca se chamava romancista, mas "historiador de costumes".
Balzac queria mostrar que assim como a história e a sociologia, a literatura poderia ser vista como uma "ciência positiva."
Para realizar essa empreitada e dar unidade orgânica à comédia humana, Balzac inova o romance quando faz com que seus personagens "passeiem" por diversos livros.
Em uma obra a personagem é protagonista, em outra reaparece como personagem secundária. Em um livro ela é jovem, em outro resurge idosa.
Essa volta sistemática de personagens é uma invenção de Balzac, bem como a ideia de fazer essas personagens da ficção viverem misturadas a pessoas reais. Nosso Érico Veríssimo se utilizou desse recurso na sua obra prima "O tempo e o vento".
O estilo de Balzac influenciou escritores como Proust , Victor Hugo, e tantos outros ao longo da história.
As duas novelas que encontramos nesse livro, O coronel de Chabet e A mulher abandonada, ambas publicadas em 1832, situam-se em A comédia humana no volume Estudos de costumes - cenas da vida privada.
Em O coronel de Chabet temos a história de um antigo militar do exército francês que foi dado como morto no campo de batalha na época das guerras napoleônicas, porém ele havia sido resgatado com vida após conseguir sair da cova onde havia sido enterrado vivo.
As circunstâncias da suposta morte do coronel e o seu resgate me trouxe à memória um episódio parecido narrado no livro de Victor Hugo, Os miseráveis, quando um oficial do exército francês também foi resgatado após ter sido pisoteado por cavalos no campo de batalha em Waterloo, caindo em uma cova repleta de cadáveres. Essa semelhança me fez pesquisar se os escritores haviam sido contemporâneos e se Victor Hugo havia sido influenciado por Balzac e descobri que não apenas eles eram amigos como Victor Hugo escreveu e proferiu junto ao túmulo de Balzac o seu discurso fúnebre, um discurso emocionante que sugiro a leitura.
O coronel Chabet passou 20 anos sofrendo as mais terriveis atrocidades (fome, miséria, doença, prisão) até conseguir retornar à Paris e encontrou uma sociedade totalmente diferente, além de descobrir que sua esposa havia se casado novamente e tinha 2 filhos com o atual marido . A esposa, supostamente viúva, também recebia o soldo (uma espécie de pensão) do morto.
Ele contrata um advogado (Dr Derville) que se interessou por sua causa e decidiu ajudá-lo a provar que o seu cliente estava vivo e recuperar seu nome e suas posses.
Mas logo seria informado de toda a dificuldade que deveria enfrentar diante de um poder judiciário burocrático e caro.
Ele viria a perceber que nessa nova sociedade francesa (período da restauração) seu nome, seu título, sua honra , seus principios e sua palavra não valiam muita coisa. O advogado sugere que um acordo (uma transação ) com a esposa seria o melhor caminho. Esse encontro entre marido e mulher revelará a verdadeira face de cada um e ele se dará conta que não apenas na sociedade, mas também na vida da esposa não havia mais lugar para ele.
Já em A mulher abandonada , a Sra de Beauséant, que sofre as consequências por um erro (fica subentendido tratar-se de uma traição), excluída da sociedade, refugiada em uma pequena cidade na Normandia, decide que a única maneira de recuperar a sua dignidade e respeito é levando uma vida reta, longe de todos.
Porém, ela é incapaz, apesar de todas as recusas, de não ceder a uma paixão avassaladora ao conhecer um jovem barão, Sr. Gaston de Nueil com quem vive um romance por mais de 10 anos.
Mas o amor não é uma ciência exata e muitas vezes sucumbe diante de pressões sociais e familiares.
Quando o fim é inevitável, o que resta para o que ainda ama é seguir em frente. Para o outro, suportar o peso de suas próprias escolhas.
A mulher abandonada é uma história de amor, de recomeço, de abandono , de escolhas e consequências.
A vida da protagonista é narrada no romance O pai Goriot que será minha próxima leitura do autor.
Não vou prolongar muito o texto por que cada palavra pode revelar um spoiler, mas fiquem com a informação que trata-se de uma novela imperdível, nada clichê, com um final surpreendente, de um escritor que estou amando conhecer.
Muito interessante suas considerações. O autor só conheço de nome, mas ao que parece suas obras são muito relevantes. Já salvei as indicações aqui 🤗