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Crônicas de Petersburgo (Dostoiévski)

Foto do escritor: A leitora ClássicaA leitora Clássica

Dostoiévski sempre esteve envolvido em atividades jornalistas, tanto que chegou a criar com seu irmão Mikhail em 1861 a revista "O Tempo" que foi fechada pela censura.


Em 1864 Dostoiévski funda a revista "A época".


Também foi redator - chefe da revista "O cidadão" no período de 1873 e 1874. Foi em O cidadão que Dostoiévski publicou artigos que deram origem ao seu Diário de um escritor.


Mas bem anterior a esses fatos, ainda nos primeiros momentos de sua carreira literária, Dostoiévski utilizou-se da atividade jornalística para dar vazão às suas ideias nos chamados folhetins.



Em 1845 , Dostoiévski foi convidado por Nikolai Nekrássov a integrar um círculo literário ligado à revista "O contemporâneo". Um dos projetos que Dostoiévski desenvolveu nessa época com o círculo de Nekrássov foi a criação de um almanaque humorístico chamado de "O trocista".


Foi Dostoiévski quem ficou responsável de escrever o anúncio desse almanaque que foi publicado na seção "Notícias Diversas" na revista "Anais da Pátria" em novembro de 1845 e que consta na íntegra nessa edição da Editora 34.


No referido anúncio, Dostoiévski define o trocista da seguinte forma:


"O Trocista é um tipo raro em seu gênero, único - um tipo bondoso, simples, simplório e, o mais importante, não possui absolutamente grandes pretensões. Graças a essa única circunstância, a de ser uma pessoa sem pretensões, por esse único motivo ele já é digno de todo respeito. Vejam, deem uma olhada em torno - quem hoje em dia não tem pretensões? Hã? Estão vendo? Mas ele não vai esbarrar, não vai roçar nos senhores, não vai melindrar a ambição de ninguém nem pedir a ninguém que abra caminho. Ele tem apenas uma ambição,  somente uma pretensão - fazê-los rir vez ou outra, senhores. (...) ele é justamente um tipo que não tem papas na língua e que para fazer gracinha,  não poupará nem seu melhor amigo."

Dostoiévski falará também nesse anúncio que enquanto as pessoas viam apenas a fachada , o trocista via os bastidores, que para ele só a verdade importava e que ele defenderá a verdade dia e noite, defenderá a verdade até a última gota de sangue.


Logo após a publicação do anúncio, o almanaque O trocista foi proibido pela censura.


Mas Dostoiévski não parou por aí. Em 1847, ele passa a colaborar com o jornal "Notícias de São Petersburgo", escrevendo a sua seção dominical chamada de "Crônica de Petersburgo".


São parte desses folhetins o que lemos nessa edição,  onde Dostoiévski como "o único flâneur nascido em solo pertersbuguense" nos apresenta sua cidade.


Com crônicas datadas de 13 de abril, 27 de abril, 11 de maio, 1o de junho e 15 de junho, todas do ano de 1847, vamos conhecendo não apenas São Petersburgo,  mas também temas que seriam caros ao romancista Dostoiévski em obras futuras.



Na crônica de 13 de abril de 1847, Dostoiévski critica a europetização da sociedade russa que não valorizava seus escritores e artistas porque tudo já vinha pronto da Europa e acabava colocando sobre si mesma um pesado fardo, o fardo da imitação.


"Se o escritor não é Shakespeare, então para que perder tempo lendo-o? Deixemos então que a Itália forme os artistas e Paris os lance. Que tempo temos nós para criar,  educar, incentivar e lançar um novo talento; um cantor, por exemplo? De lá nos enviam completamente prontos e com renome. "

Na crônica de 27 de abril de 1847, Dostoiévski vai aproveitar de um período do ano, o fim do inverno russo que vai de novembro a março, para narrar (e criticar) alguns costumes petersburguenses através de um convalescente que deixa a sua reclusão com a saída do sol e caminha pela cidade para saber quais são as novidades.


Uma das novidades de Peterburgo dessa época são os chamados círculos. Cada círculo possuía suas próprias leis e regulamentos e ele vai nos apresentar a um tipo que sempre se destacava nesses círculos a quem ele atribuiu o nome de "Legião".


Legião é um cavalheiro de bom coração, que amava a todos, fazia muitas amizades e acreditava que o fato de ter um bom coração era suficiente para deixá-lo plenamente satisfeito e feliz.


Ele vai dizer que esse tipo , fabricado exclusivamente dentro de um círculo, nem sequer desconfia que "não basta amar com intensidade,  que é preciso ainda dominar a arte de se obrigar a amar" . Ele se esquece, em sua ingenuidade, que "viver é toda uma arte, de que viver significa fazer de si mesmo uma obra -prima; de que é apenas nos interesses gerais , na compaixão pela massa da sociedade e por suas reivindicações diretas e imediatas (...) que ele pode lapidar o diamante precioso , brilhante e genuíno,  o seu bom coração."


Na crônica datada de 11 de maio de 1847, Dostoiévski volta a falar dos costumes dos petersburguenses e um em especial, o hábito de mexericar.


Ele diz que


"Quando um cidadão de Petersburgo fica sabendo de alguma novidade rara e corre a contá-la, ele sente se antemão uma certa volúpia espiritual; sua voz se torna lânguida e treme de prazer; e é como se o coração estivesse banhado em essência de rosas."

Ele também vai nos apresentar a sua cidade através de uma comparação. Ele dirá que Petersburgo se assemelha a um filho caçula e mimado  de um pai rico e bondoso e que Petersburgo "se levanta bocejando, cumpre suas obrigações bocejando e volta a dormir bocejando."


Fiquei com a impressão de ser a cidade de Dostoiévski um tanto sonolenta e melancólica.


A crônica de 1o de junho de 1847 temos, assim como nas demais crônicas que compõem a obra, Petersburgo como a protagonista.


Petersburgo,  que para Dostoiévski, não é só a cabeça, mas o coração da Rússia, uma cidade que "ainda está sendo criada, construída; seu futuro ainda é uma ideia."


Nesse texto, Dostoiévski vai falar sobre a arquitetura de Petersburgo e como seus habitantes que estão tão ocupados com afazeres, mexericos, jogos de e muitas outras distrações que não sobra tempo de olhar ao redor e estudar a cidade através de seus monumentos históricos.


Isso se deve , também, ao fato de ser o habitante de Petersburgo muito ligado a ideia de momento presente, ao momento atual, mas esquecem que


"O pensamento contemporâneo não chegará muito longe se não se voltar ao passado; pois ele ainda receia uma marcha rápida demais."

A última e mais importante crônica dessa coletânea é datada de 15 de junho se 1847. Nela, entre outras coisas, Dostoiévski vai nos falar de um tipo muito importante em seus romances de primeira fase como em A senhoria e Noites Brancas, o sonhador.



O sonhador de Dostoiévski é aquele ser de temperamento ávido de atividade, de vida espontânea, de realidade, mas frágil, inapto em lidar com essa realidade e se refugia em seus devaneios.


Para Dostoiévski,  o sonhador é "um pesadelo para Petersburgo""uma tragédia  muda" , "uma encarnação do pecado" porque, no fundo, ele não produz nada. Ele idealiza, mas não produz nada de fato.


É um ser que tem "o seu olhar afiado para enxergar o fantástico em tudo" justamente por sua falta de habilidade em lidar com as coisas reais.


O sonhador é um precursor do homem do subsolo e entender a sua  psicologia é importantíssimo para entender as obras de Dostoiévski .








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5 Comments

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patriciamilanis
patriciamilanis
Jan 25, 2024

Ótimo post Naty!

Desse autor só li "O jogador", pretendo ler outras obras dele em breve.

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patriciamilanis
patriciamilanis
Mar 06, 2024
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Hahaha já vou separar aqui para ler 😂

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Fernanda Alcantara
Fernanda Alcantara
Sep 18, 2023

O que vejo de mais incrível é o sonhador de Dostoiévski ser um que não imagino um na realidade. Um ser absorto em suas proprias ideias, alheio em pensar ao redor. Contando os meses até essas minhas descobertas.

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Desse jeito amiga... uma pessoa totalmente desvinculada do real... que sonha, idealiza, mas não sai do lugar

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