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Como Pinóquio aprendeu a ler

Foto do escritor: A leitora ClássicaA leitora Clássica

Durante essa semana tivemos uma notícia nada animadora circulando na mídia.  Uma pesquisa que avaliou a aprendizagem de crianças em 57 nações do mundo revelou que o Brasil ocupa o 52º lugar no ranking internacional de leitura.


De acordo com esse estudo que foi divulgado dia 16 de maio, a habilidade de leitura das crianças brasileiras está entre as piores do mundo.


Lê-se pouco e lê-se mal. Essa é a verdade.


Essa notícia me fez vir aqui conversar com vocês sobre um ensaio de Alberto Manguel que faz parte de seu livro "Notas para uma definição do leitor ideal" , o ensaio "Como Pinóquio aprendeu a ler."



A história de Pinóquio,  o boneco de madeira que queria ser menino de verdade sempre habitou meu imaginário, apesar de nunca ter lido a história original (erro inadmissível que pretendo corrigir em breve), mas Pinóquio além de querer ser um menino de carne e osso, também deseja ser um garoto responsável,  estudar, tirar boas notas e não decepcionar Gepetto, seu criador.


Pinóquio quer ir à escola. Em um trecho do livro ele dirá


" – Hoje, na escola, quero logo aprender a ler; amanhã aprenderei a escrever, e depois de amanhã, a fazer contas. Então, com minha habilidade, ganharei muitas moedas, e com as primeiras moedas que ganhar, quero logo fazer para meu pai uma bela casaca de pano. Mas... por que de pano? Vou fazê-la toda de prata e de ouro, com botões de brilhantes. Aquele pobre homem merece isso de verdade, pois, afinal, para me comprar os livros e para me instruir, ficou só de camisa... neste frio! Não há muitos pais capazes de um sacrifício como esse!..."

Manguel, nesse ensaio genial, vai nos dizer que Pinóquio vai à escola, se transforma em um bom garoto que aprendeu a ler, mas jamais será um leitor.


Mas o que significa exatamente "aprender a ler"? Ler será meramente uma decifração de códigos?


Manguel dirá que ler é


"(...) o aprendizado de como os registros nesse código permitem conhecer, de maneira profunda, imaginativa e prática, nossa própria identidade e a do mundo que nos rodeia."

Esse aprendizado é o mais difícil, mais perigoso e mais poderoso.


E por que Pinóquio jamais será verdadeiramente um leitor ?


Porque Pinóquio é incapaz de pensar criticamente e aplicar aquilo que lê à suas próprias experiências porque não foi estimulado por nenhum de seus mestres a pensar na sua própria condição. A escola o preparou para aprender o alfabeto e ler propaganda.


" Como Pinóquio não vê os livros como fonte de revelações, os livros não lhe devolvem, refletida, sua própria experiência. (...) A única coisa que lhe restou fazer, depois de aprender a ler, foi repetir a cartilha como um papagaio. Ele assimila as palavras que estão na página, mas não as digere: os livros não passam a ser realmente seus, porque ele, no final das suas aventuras, continua sendo incapaz de aplicá-los à sua própria experiência."

E o que é preciso para aprender a ler de verdade, saindo da superficialidade?


Um passo importante e que eu tenho batido bastante nessa tecla em minhas postagens no Instagram é LER SEM PRESSA.



É também um passo muito difícil hoje em dia nessa nossa sociedade (especialmente em tempo de redes sociais) onde parece que as pessoas são sempre focadas, super produtivas, leem 100 livros no ano, mas a verdade é que é muito fácil devorar livros e livros e no final não conseguir relacionar aquilo que foi lido com a própria existência.  A lentidão é vista como algo a ser combatido.


Nas palavras de Manguel


" Hoje em dia parece quase impossível convencer a maioria de nós das virtudes da lentidão e do esforço deliberado. Contudo, Pinóquio só conseguirá aprender a ler se não tiver pressa, e só poderá se tornar um indivíduo pleno através do esforço exigido para aprender devagar. Seja no tempo de Collodi, com suas cartilhas que os alunos repetem como papagaios, seja no nosso, com suas informações quase infinitas e regurgitadas, é facílimo ser ligeiramente letrado"

É fácil ser "ligeiramente letrado", ser leitor com propósito é que são elas.


Ler com profundidade é um processo lento e que requer esforço e Pinóquio assim como muitos leitores não estão dispostos a pagar o preço.


É preciso tempo e reflexão. Tempo e reflexão são duas condições essenciais para que aquilo que lemos seja capaz de transformar a nós mesmos e nos fazer questionar a sociedade como um todo. 


Ler sem pressa, com esforço e reflexão é a maneira que faria Pinóquio deixar de ser de fato um boneco.


Não seja um leitor "ligeiramente letrado." Leia com propósito.


Leia a matéria sobre a pesquisa no link abaixo




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4 comentários

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patriciamilanis
patriciamilanis
22 de set. de 2023

Ler sem pressa não é fácil, porém necessário.

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A leitora Clássica
A leitora Clássica
23 de set. de 2023
Respondendo a

Eu não abro mão disso amiga

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Fernanda Alcantara
Fernanda Alcantara
05 de jun. de 2023

Perfeito. O ato de ler não ė uma corrida para contabilizar leituras, Precisamos ter um tempo de qualidade para ampliar, refletir e entender como a leitura se coloca no contexto escrito. Sentir a obra vai muito mais que uma foto da capa nas redes sociais e uma lista com check.

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A leitora Clássica
A leitora Clássica
03 de jul. de 2023
Respondendo a

👏👏👏👏👏

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