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Como ler um texto de filosofia

Que ler um livro de filosofia é diferente de ler um livro de literatura,  isso é de fácil percepção.


A leitura de um texto literário exigirá bastante de nossa capacidade imaginativa, nosso repertório de vida que nos trará maior familiaridade com o que está sendo narrado (por isso que ao relermos um livro na maturidade, a obra ganha uma dimensão diversa da leitura que fazemos na juventude) , e muitas vezes, para realizarmos uma leitura mais profunda é necessário "calar" a voz do autor para se ouvir apenas a voz do texto. É basicamente o que Roland Barthes vai chamar de "morte do autor."


Já na leitura de um texto filosófico ocorre o inverso. Nosso primeiro esforço é na tentativa  de "ouvir" o autor , compreender e apreender suas ideias e conceitos para , somente depois dessa compreensão, podermos analisá-lo criticamente.


Por isso que antes da leitura de um livro de filosofia é necessário que o leitor realize algumas etapas prévias,  que ele tenha um método de estudo.


Nesse pequeno manual (Como ler um texto de filosofia) ,  o autor apresentará a sua metodologia, a forma como ele realiza uma leitura analítica do texto filosófico.



Livros como esse são interessantes para que o leitor teste diversas formas de estudo e CRIE seu próprio método, trilhe seu próprio caminho.


Nem sempre o que é eficiente para uma pessoa será para a outra. Por isso, a ideia é sempre conhecer ferramentas para que se possa desenvolver sua forma própria de ler um livro , seja ele de filosofia, sociologia, ou mesmo de literatura.


Nesse post, apresentarei primeiramente a ideia do autor, o seu passo a passo e na sequência mostrarei como eu realizo a leitura de um livro de filosofia.


Em "Como ler um texto de filosofia " , o autor dividirá o que ele chama de LEITURA ANALÍTICA em 5 etapas :


1. Etapa de análise textual;


2. Etapa de análise temática;


3. Etapa de análise interpretativa;


4. Etapa de problematização;


5. Etapa de reelaboração reflexiva.




• Análise textual:


Na etapa de análise textual, a primeira providência a se tomar é definir a unidade de leitura.


- Dividir o texto em partes (se for um livro, essa divisão pode ser feita por capítulos,  se for um texto pode ser feita por parágrafos, por exemplo). Só se passa para a leitura da próxima parte quando a anterior está concluída (lida, analisada, compreendida).  Nessa fase também é necessário evitar intervalos muito longos entre as leituras das partes.


- Faça uma ficha bibliográfica contendo todas as informações sobre o texto a ser lido, tais como o nome do livro, autor, editora, ano de publicação,  páginas (se for apenas uma parte do livro), tema , etc.


- Faça uma ficha biográfica com os dados do autor, seu período histórico,  sua localização dentro da tradição filosófica, suas principais linhas de pensamento,etc.


- Realize a primeira leitura do texto de forma corrida, do inicio ao fim. Essa primeira leitura seria o que o Mortimer Adler e Charles  Van Doren em seu livro "Como ler livros" , chamam de leitura inspecional. Ela serve para o leitor ter uma visão panorâmica do conteúdo do texto.


- Durante a leitura inspecional, grife, circule, sinalize de alguma forma , palavras desconhecidas, conceitos novos, referências a outros pensadores, fatos históricos relevantes para a compreensão da ideia do autor (suas influências).


- Pause a leitura e pesquise as informações necessárias para a compreensão da unidade de leitura selecionada. Por exemplo, para palavras desconhecidas utilize o dicionário da língua portuguesa e para conceitos novos, utilize um bom dicionário de filosofia.


- Realize uma segunda leitura da unidade após apreender e catalogar essas informações pesquisadas e ao final faça um pequeno resumo da unidade selecionada.


• Análise temática:


Essa fase visa conhecer e compreender com o máximo de objetividade possível, o pensamento do filósofo.


Devemos nos esforçar para "ouvir" atentamente o autor para a melhor compreensão do seu pensamento exposto no texto.


Não cabe nessa fase da análise temática "opinar " sobre o texto, tecer um juízo crítico a respeito do pensamento do autor.


Para realizar essa fase, o autor desse manual dá um pequeno roteiro a ser seguido que consiste em fazer perguntas ao autor que serão respondidas através do textos.


A exemplo dessas perguntas, temos:


Qual o tema, assunto do texto? Por que esse tema está em questão? Qual a resposta do autor a esse problema? Qual a tese que ele defende para resolver esse problema? Quais as ideias secundárias defendidas pelo autor ?


Essas repostas devem ser catalogadas no fichamento do texto lido.


Em "Como ler livros ", tem um capítulo destinado a leitura de livros de filosofia. Seus autores, Mortimer Adler e Charles Van Doren também orientam que o leitor faça perguntas ao autor através do texto, mas essas perguntas precisam ser "infantilmente simples".


Precisamos nos posicionar diante da leitura como crianças que não querem apenas conhecer uma informação, mas de sentir o espanto que elas sentem,  de questionar como elas questionam.


Segundo Aristóteles,  a filosofia nasce do espanto.


• Análise interpretativa:


Essa é a última etapa da leitura analítica. É por meio dela que o leitor irá "criticar " o texto.


O leitor irá dialogar com o autor, refletir sobre o conteúdo da sua mensagem com base em elementos externos ao texto (leituras diversas, pensamentos de outros filósofos a favor e contra a ideia defendida pelo autor, etc).


Essa fase é a mais difícil,  uma vez que exige que o leitor tenha um repertório acumulado e uma maturidade intelectual.


Para facilitar essa fase, o autor deste manual dá as seguintes dicas:


- Situar o pensamento da unidade de leitura dentro do pensamento geral do autor;


- Situar o pensamento do autor no âmbito da história do pensamento da sua área de reflexão;


- Explicitação dos pressupostos implicados no texto;


- Associação de ideias semelhantes.


Nesse momento, o leitor deverá ser capaz de tomar uma posição,  fazer um juízo crítico da mensagem do autor.


Em "Como ler livros " , os autores dirão que


 "Quando você tiver lido bem uma obra filosófica - e isso significa ler outros filósofos que falem do mesmo assunto - estará em posição de julgar. "

• Problematização:


Os problemas que podem ser levantados para a reflexão pessoal estão presentes nas várias etapas da leitura analítica e podem ser de ordem semântica, temática ou interpretativa.



• Reelaboração reflexiva:


Elaboração de uma síntese pessoal, uma reflexão conclusiva a respeito das temáticas abordadas no texto.


É um esforço do leitor em refletir sobre o tema por conta própria provocados pelo autor.



• Meu método de leitura de filosofia:


A minha primeira providência é abrir a ficha do filósofo. Nela eu coloco suas principais informações biográficas, sua posição dentro da tradição filosófica, suas principais ideias, seus comentadores mais renomados, os livros desses comentadores que irão me guiar durante a leitura.


Essas informações prévias sobre a vida, a sua obra, o contexto histórico e a posição do autor na história da filosofia, são relevantes uma vez que nos auxiliarão a identificar as suas ideias presentes no texto.


Após essa pesquisa minuciosa (posso fazer um post depois explicando como faço minhas pesquisas no meu processo de leitura e quais as principais fontes as quais recorro),  divido o livro por capítulos.


Faço a primeira leitura do capítulo de forma corrida sem a ajuda dos livros de apoio dos comentadores escolhidos.


Anoto as principais dúvidas e recorro a esses comentadores.


Faço uma segunda leitura com a ajuda dos materiais de apoio e ao final faço um pequeno resumo do capítulo.


Só após a minha leitura individual, uma segunda leitura com a ajuda de um comentador e o resumo do capítulo é que passo para o próximo.


Abaixo segue meu modelo de ficha de autor. Essa é apenas a ficha de abertura. Ela continua no verso e também abro uma ficha temática para cada conceito.



Ler livros de filosofia exige uma maior disposição do leitor,  mas ao final vale a pena todo o esforço, uma vez que essa atividade intelectual treina a nossa capacidade de pensar e se posicionar no mundo.

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2 Kommentare

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Rapadura é doce mas não é mole não, hahaha

Excelente post Naty, muito interessante essa forma de ler/analisar o livro. Realmente dessa forma se tem um proveito muito maior e melhor da leitura.

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Hahahaha aí amiga... é trabalhoso, não irei mentir, mas a sensação ao final da leitura de realmente ter sido proveitosa faz toda diferença

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