Uma das minhas leituras atuais é o livro da escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir: A mulher desiludida.
Essa obra traz três contos da autora, independentes entre si, mas que possuem uma discussão a respeito de um tema central: o envelhecimento feminino.
Em um momento como este em que o etarismo está cada vez mais mostrando a sua face , é uma leitura necessária e que desperta inúmeras reflexões.
Mas esse texto não é para falar da obra em si, mas de algo que lembrei ao iniciá-la.
Em 2021, uma editora que não irei lembrar agora precisamente qual, publicou uma nova edição da autora e ao ler os comentários no post de lançamento me choquei com a quantidade de pessoas indignadas com a editora por estar relançando um livro de alguém que, segundo elas, possui uma biografia questionável.
Mas Simone de Beauvoir não sofreu apenas esse "cancelamento ". Também houve uma revolta nas redes socais em 2015 quando um trecho de obra da escritora caiu na prova do ENEM.
A questão é: Controvérsias na vida pessoal do autor é motivo para condenar a sua literatura? Autor e obra são inseparáveis?
De acordo com o escritor, crítico e filósofo francês Roland Barthes em seu artigo "A morte do autor" , essa concepção de autor que temos hoje é algo relativamente recente. O autor é uma personagem moderna. A figura do autor nasce com a valorização do indivíduo, da "pessoa humana ' e assim foi-se dando mais importância a "pessoa do autor".
Na antiguidade, por exemplo, essa preocupação com a autoria não existia.
Em um trecho do artigo, Barthes vai dizer que:
"O autor ainda reina nos manuais da história literária, nas biografias de escritores, nas entrevistas dos periódicos e na própria consciência dos literatos, cioso por juntar, graças ao seu diário íntimo, a pessoa e a obra; a imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história, seus gostos, suas paixões; a crítica consiste ainda, o mais das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o fracasso do homem Baudelaire, a de Van Gogh é a loucura, a de Tchaikovsky é o seu vício: a explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só pessoa, o autor, a revelar a sua "confidência" .
Em outra parte desse ensaio crítico, Barthes também vai dizer que isso é muito conveniente para a crítica literária moderna que considera o autor e todos os seus contextos (biográfico, social, histórico, psicológico) fundamental para o entendimento da obra. Encontrado esse autor, o texto estaria "explicado".
Para Barthes, essa centralidade no autor é errada.
Ele e outros pensadores de sua época acreditavam que, na verdade, a grande voz do texto não é o autor, é a linguagem.
" Na França, Marllarmé, sem dúvida o primeiro, viu em toda a sua amplitude a necessidade de colocar a própria linguagem no lugar daquele que era até então considerado seu proprietário; para ele, como para nós, é a linguagem que fala, não o autor "
Inclusive, a chamada "morte do autor " se dá quando há esse desligamento, quando a "voz do texto" perde a sua origem, é dissociada do autor. O autor morre. A escrita surge.
Ou seja, o sentido do texto está no texto e não em quem o escreveu.
"O escriptor moderno não é em nada o sujeito de que seu livro fosse o predicado."
Então, eu formulo a mesma pergunta que Barthes começa nos fazendo em seu artigo : Em um trecho de Balzac quem fala é o herói do texto? O narrador do texto? O indivíduo Balzac? O autor Balzac?
Essas identidades são inseparáveis?
A questão sobre as polêmicas envolvendo a escritora Simone de Beauvoir foi apenas um gancho para levantar essa questão, pois além de não conhecer a biografia da autora à fundo, sabemos que muito do que circula na internet não tem fundamento.
Mas, independente disso, eu acredito veementemente e defendo a tese de que não só é possível separar autor da obra como é intelectualmente inteligente que se faça.
Para ele, e para mim também, a unidade do texto, o sentido do texto (que podem ser vários como vários são seus leitores) está no texto.
Claro que não há consenso em relação a isso.
Eu, particularmente, sou do time que ama ler e estudar sobre o autor, mas procuro focar minhas análises, reflexões, concordâncias, discordâncias sempre na própria obra lida .
E vocês? O que pensam sobre isso ?
É uma reflexão bastante polêmica, difícil dizer... Mas enfim se a obra me chama atenção, me desperta curiosidade não deixo de fazer a leitura pelo fato de o autor ter uma fama controversa.