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Anfitrião (Plauto)

Mesmo quem nunca leu Plauto foi, de alguma forma, influenciado por ele. Afinal, quem nunca ouviu o termo Sósia para identificar alguém muito parecido com outro ?


De acordo com André Malta em seu livro "Isso aqui não é grego", as expressões "sósia" e "anfitrião" foram introduzidas na língua portuguesa devido essa peça de Plauto.


"Quando expressões ou palavras se integram ao vocabulário de uma língua por causa de uma autora ou autor, a gente percebe sua influência e popularidade. Plauto faz parte desse seleto grupo: “anfitrião” e “sósia” são hoje substantivos correntes no português por sua causa."

Ele também vai dizer que


"Os termos (sósia e anfitrião) foram introduzidos no português através do francês, por causa da comédia do século XVII de Molière, Anfitrião. Mas o Anfitrião de Molière era uma recriação da peça de mesmo nome de Plauto, e por isso não erraríamos em dar o crédito final ao autor latino."

Nessa comédia, Sósia é um escravo de Anfitrião que é marido de Alcmena. Sósia e Anfitrião são nomes próprios na peça plautina.



Plauto era um comediógrafo romano pertencente ao que ficou conhecido como "comédia nova". Diferente da comédia antiga que tinha Aristófanes como seu principal representante e que utilizava-se do espaço público (Pólis) e possuía caráter político, a comédia nova de Menandro, Plauto e Terêncio  ocorria no espaço privado (a casa , a domus), doméstico.


Das 21 peças plautinas que chegaram até nós é Anfitrião, sem dúvida, a mais conhecida e também, entre as obras da antiguidade, foi uma das mais reescritas e adaptadas ao longo do tempo.


Nessa tragicomédia (Mercúrio, no prólogo, afirma que a peça pertence a esse gênero por conter a presença de alguns deuses que são personagens das tragédias e escravos que são personagens das comédias) temos a história de Júpiter (na mitologia romana, Júpiter equivale a Zeus na mitologia grega) que apaixona-se por Alcmena e enquanto seu esposo (Anfitrião) está na guerra,  transforma-se na aparência deste para enganá-la e com ela ter uma noite de amor.


Seu filho Mercúrio (na mitologia grega chamava-se Hermes) disfarça-se de Sósia para poder servir a seu pai Júpiter sem que os outros escravos desconfiem de sua presença estranha na casa, já que Sósia foi à guerra com Anfitrião.


Com essa breve introdução podemos perceber qual o tema que permeia toda a trama plautina: o tema do duplo.


De acordo com Lacan,  o tema do duplo foi instituído por Plauto a partir dessa comédia e por isso o meu interesse em lê-la.


Essa temática é muito explorada na literatura de diversas formas e nessa peça já sabemos de imediato que o duplo é tratado através da metamorfose, ou seja, na transformação de um ser em outro através do "roubo" de sua aparência.



A peça em 5 (cinco) atos transcorre da seguinte forma :


A cidade é Tebas. Anfitrião, esposo de Alcmena parte para a guerra do povo tebano contra os Teléboas. Seu escravo Sósia o acompanha.


Antes de partir, Anfitrião engravida Alcmena.


 

1o ato:


No primeiro ato,  temos um monólogo de Sósia narrando a sua condição de escravo e revelando o motivo de estar retornando para Tebas.


Anfitrião o ordenou que voltasse para casa com o propósito de contar para sua esposa Alcmena os seus feitos na guerra.


Sósia resolve que seria melhor ensaiar consigo mesmo antes de cumprir a sua missão e começa a contar como se sucederam as batalhas e como a guerra foi vencida por Anfitrião e seu exército.


No decorrer do monólogo de Sósia, há pequenas intervenções de Mercúrio.


Sósia vai finalizar sua narração sobre a batalha contando que Anfitrião (por ter vencido a guerra) foi presenteado com uma taça de ouro.


E parte no rumo de casa.


Mercúrio, que escuta todas as suas falas, está decidido a impedi-lo de chegar ao seu destino para não prejudicar o romance de seu pai Júpiter com Alcmena.


Sósia é o responsável por toda a comicidade desse primeiro ato. Mesmo sendo violentado por Mercúrio, suas falas são sempre jocosas.


Sósia e Mercúrio se encontram frente a frente. Mercúrio, através da persuasão e da violência física faz Sósia acreditar que ele (Mercúrio) é o verdadeiro Sósia.


O escravo vai dizer


"Onde foi que eu morri? Onde me transformei? Onde perdi a aparência? Será que eu mesmo me abandonei por lá, será que por acaso me esqueci? Pois esse aí possui toda a feição que havia sido minha até agora."

Mercúrio afirma que vai confundir a todos da forma como fez com Sósia até Júpiter se saciar de Alcmena. Ele é o responsável por arquitetar todo o engano.


Ao amanhecer, Júpiter se despede de Alcmena entregando a ela a suposta taça de ouro que havia ganhado na guerra e diz que precisa voltar rapidamente para que seu exército não sinta falta de sua presença.


A noite do idílio de Júpiter e Alcmena é referida na peça como a noite mais longa de todas.


 

2o ato:


No segundo ato, Sósia conta à Anfitrião o que se passou com Mercúrio, mas ele não lhe dá crédito. Acredita ser impossível ele estar em casa estando em sua presença.


Essa trama do duplo causa muita confusão tanto na pessoa duplicada que não consegue mais entender quem seja, quanto nos demais que o julgam insano.


Ao chegar em casa Anfitrião se depara com Alcmena que não entende seu retorno tendo acabado de partir.


Anfitrião,  por sua vez , jura não ter visto a esposa senão somente naquele momento e há uma grande contenda entre marido e mulher.


Desconfiado, Anfitrião suspeita que Alcmena não seja a mulher virtuosa que ele imaginara.


Alcmena, por sua vez, é uma personagem melancólica. Ela fica triste porque o marido (ela não sabe que é Júpiter se passando por Anfitrião) chega em uma noite e vai embora logo ao amanhecer.


"Na vida e no passar dos anos, não é algo bem pequeno o prazer em comparação com o que é desagradável? Assim foi programado cada aspecto da vida humana, assim é a vontade dos deuses: que a tristeza, tal como companheira  acompanhe o prazer; se algo de bom cabe a alguém, isso não acontece sem que haja ali inconvenientes e mais males."

E depois disso ela ficará ainda mais magoada  porque Anfitrião duvida da sua palavra e a toma por uma adúltera.


 

3o ato:


O terceiro ato marca o retorno de Júpiter que se dirige ao público explicando o que pretende fazer. Transformar-se novamente em Anfitrião,  causar outra confusão, dormir novamente com Alcmena e só então esclarecer tudo para inocentá-la.


Júpiter, então novamente disfarçado de Anfitrião,  conversa com Alcmena. Fala que tudo não passou de uma brincadeira para testar-lhe o espírito. Ele pede perdão e ela, depois de relutar e acreditando estar perdoando o esposo, aceita as desculpas.


Mercúrio é novamente convocado para ajudar o pai, impedindo que o verdadeiro Anfitrião se aproxime da casa. Para Mercúrio, o pai (mesmo enganando, causando discórdia) age corretamente porque obedece a sua própria vontade, algo que segundo ele, todos os homens deveriam fazer.


No final do terceiro ato há uma lacuna , onde sugere que parte do texto não conseguiu chegar até nós.


 

4o ato:


O quarto ato é o mais curto de todos e trata do encontro dos dois Anfitriões (o verdadeiro e o falso) , mas como existe a lacuna já mencionada , retomamos o texto já com Blefarão que é o timoneiro do navio de Anfitrião convocado a dar o seu parecer de quem seria o verdadeiro e o anúncio de que Alcmena iria dar à luz.


Júpiter se casou com a deusa Juno, mas sempre teve fama de mulherengo,  tendo muitos casos tanto com deusas quanto mulheres mortais. Quando se apaixonava por mortais, ele assumia outras formas para poder se aproximar delas. Júpiter teve vários filhos com essas mulheres.


Nessa peça, Júpiter engravida Alcmena que já esperava um filho de Anfitrião. Temos então aqui representado o mito do nascimento do herói.


 

5o ato:


No quinto e último ato, Alcmena dá a luz a gêmeos, sendo um mortal filho de Anfitrião e o deus Hércules, filho de Júpiter. A cena do parto é narrada por Brômia, criada de Alcmena.


Também é Brômia quem revela a Anfitrião o engano a que ele e Alcmena foram submetidos por Júpiter.


Hesíodo em seu poema "O escudo de Héracles", narrará o nascimento do deus Hércules através da relação extra conjugal de Alcmena (enganada) com Júpiter (ou Zeus na mitologia grega). Essa lenda também aparecerá em Odisséia de Homero.


A peça é finalizada com o encontro entre Júpiter e Anfitrião, onde o deus revela que Alcmena foi tomada por ele à força. Anfitrião fica feliz em dividir a esposa com um deus e a paz volta a reinar naquele lar.



Essa comédia, apesar dos humanos sofrerem com a farsa dos deuses Júpiter e Mercúrio, principalmente Alcmena que é julgada em sua honra, e apesar das próprias reflexões de Sósia sobre a condição do escravo, me diverti bastante com essa leitura, principalmente com as falas de Sósia que se tornou meu personagem favorito.



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