A morte de Ivan Ilitch é uma novela do escritor russo Liev Tolstói de 1886 e traz a história de Ivan Ilitch Golovin, um juiz da mais alta sociedade e que, aos olhos dos outros, levava uma vida leve, agradável e decente.
Já iniciamos a leitura no velório de Ilitch e no decorrer das páginas o narrador vai nos contando como o protagonista viveu e morreu.
Dividi essa resenha em 5 (cinco) partes por mim estabelecidas da seguinte forma : Parte I (A morte e o funeral de Ivan Ilitch) , Parte II (A vida de Ivan Ilitch), Parte 3 (A doença) , Parte 4 (O agravamento da doença) e Parte 5 (A morte).
Vamos à elas.
Parte I - A morte e o funeral de Ivan Ilitch
Em 04 de fevereiro de 1882 morre Ivan Ilitch, membro da Câmara de Justiça, aos 45 anos.
Essa é a notícia que seus amigos e colegas de trabalho, Ivan Iegórovitch Chebek, Fiódor Vassaílievitch e Piotr Ivánovitch leem no jornal.
Mas seus amigos não ficaram nada comovidos com aquela perda, mas pensaram imediatamente em seus próprios interesses e o que poderiam lucrar com aquela morte, seja para eles ou para parentes, através de promoções e transferências de cargos.
Outra sensação vivida pelos amigos ao lerem o comunicado da morte de Ivan não foi de pesar, nem tristeza como já vimos, mas de alívio. Afinal, morrera Ivan Ilitch, eles estavam vivos.
Entre os amigos de Ivan, o mais próximo era Piotr Ivánovitch.
Piotr Ivánovitch vai até o funeral de Ivan. A descrição do funeral mostra toda a superficialidade daquelas relações.
Os movimentos de Piotr eram todos mecânicos , nada naturais, refletindo o tempo todo como seria adequado agir naquela situação.
No funeral também ficamos sabendo que Ivan deixou instruções de como ele deveria ser.
Os amigos que estavam presentes queriam "se livrar" daquela situação o quanto antes para irem jogar cartas.
A viúva Praskóvia Fiódorovna também estava mais preocupada consigo mesma e em encontrar uma maneira de conseguir uma pensão maior do Estado.
Nem a esposa, nem a filha, o futuro genro ou os amigos, estavam lá por Ivan Ilitch. Todos estavam em um grande espetáculo teatral seguindo protocolos e convenções sociais.
Mas será Piotr Ivánovitch quem viverá a experiência mais profunda e magistralmente descrita nessa primeira parte: o encontro do homem com o seu destino.
Ao olhar para Ivan Ilitch no caixão, o amigo se sente desconfortável. Encarar a morte de Ivan era como encarar o seu futuro e isso o assustou.
As feições do defunto eram como um lembrete aos vivos, um lembrete que Piotr Ivánovitch não queria ler.
Em "Sobre a brevidade da vida" que já tem resenha aqui no blog, Sêneca dirá que "deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que você se admire, toda a vida é um aprender a morrer." E saber morrer significa não que tenhamos que temer a morte porque ela é inevitável, mas tê-la sempre em vista para buscar uma vida com sentido e poder partir em paz e isso começa com a aceitação da própria finitude, algo que Piotr Ivánovitch se esquivou.
Assim finaliza a primeira parte da obra que se inicia, como vimos, no funeral de Ivan Ilitch e sensações de superficialidade, jogos de interesses, seguidos de sentimentos de vulnerabilidade e fragilidade diante do inevitável (a morte) , deram o tom ao início do enredo.
Mas, afinal, quem foi Ivan Ilitch ?
Parte 2 - A vida de Ivan Ilitch
Ivan Ilitch era 2o filho de um funcionário público renomado que devido o longo tempo de serviço recebia um pagamento para fazer absolutamente nada.
Ivan era considerado o gênio da família.
Era inteligente, agradável, decente e tinha um profundo senso de dever, de viver conforme se esperava dele, em especial as pessoas de altos postos por quem nutria uma profunda admiração e atração "como a mariposa pela luz".
Estudou na Escola de Jurisprudência (uma espécie de faculdade de direito) e rapidamente se destacou na sua profissão. Se tornou juiz de instrução e o novo cargo também despertou em Ivan a consciência de poder , o que muito lhe agradou, apesar de nunca ter feito uso dele em benefício próprio.
À medida que Ivan ia subindo na carreira seu temperamento ia se moldando de acordo com o cargo que ocupava. Afinal, para Ivan Ilitch o que importava era viver uma vida aprovada pela sociedade.
Quando estava recém formado, Ilitch adorava dançar, mas como juiz de instrução isso não era adequado , então Ivan não dançava mais.
Passou a cometer atos que iam contra o seu código moral porque via pessoas de classes sociais elevadas fazendo o mesmo sem que isso fosse considerado reprovável.
Toda a sua vida, desde muito jovem, era estruturada em cima da opinião pública. Não importava quem ele, de fato, era, mas quem aparentava ser.
Viver conforme se deve era, para Ilitch, viver uma vida de aparências.
Já como juiz de instrução, Ivan conhece Praskóvia Fiódorovna, um moça atraente, inteligente, e principalmente, de família nobre que se apaixonou por ele. Praskóvia era, portanto, adequada à função de esposa para uma pessoa em sua posição e logo eles se casaram.
Vieram os filhos, mas apenas dois sobreviveram.
Como toda relação sem amor, o casamento degringolou rapidamente. Menos de 1 (um) ano depois, a vida com Praskóvia se tornou um fardo para Ivan Ilitch e ele passou a se proteger do fracasso conjugal no seu trabalho.
O tempo dedicado à família era escasso. Sua vida era o tribunal, os amigos e os jogos de cartas.
Esse modo de viver de Ivan Ilitch e que ele julgava ser o certo, o impediu de criar relações verdadeiras com as pessoas, inclusive esposa e filhos. Tudo era compensado com o externo, com o status e os bens.
Parte 3 - A doença
Ivan Ilitch, após sofrer alguns reveses na carreira, muda-se com a família para Petersburgo, recebe aumento de salário, decora ele mesmo um apartamento com tudo que uma casa de pessoas não ricas, mas que querem parecer ricas possui.
A nova residência era seu grande orgulho a ponto de se irritar com qualquer mínimo estrago em seus objetos decorativos.
Tudo ia aparentemente bem na vida da Ivan Ilitch. Estava morando na capital em um lindo apartamento, as brigas com a esposa diminuíram, mas ao subir uma escadinha, Ivan se desequilibra e cai batendo o flanco em um caixilho. No início não pareceu nada demais, mas com o tempo os sintomas foram se agravando.
Ivan Ilitch se tornou extremamente mau humorado, culpava a esposa por tudo que o desgradava. Brigas e desavenças eram diárias. Praskóvia Fiódorovna só pensava no marido como aquele que era o provedor da casa e que era um peso que tinha que aguentar por causa do ordenado.
À medida que a doença avançada, Ivan Ilitch se entristecia com a indiferença de todos perante seu infortúnio. Ele sofria, sentia dores constantes e percebia que ninguém se importava.
A filha só pensava em seu noivado promissor. A esposa continuava frequentando teatro e recepções enquanto Ivan agonizava no quarto.
Quando, de repente, Ivan tem como que uma revelação. A revelação de que ele está morrendo, que ele Ivan Ilitch, juiz de instrução, é mortal.
Nesse momento ele se espanta como que para expressar o seu despertar de consciência e se irrita com a ignorância dos vivos que são indiferentes a sua dor, pois eles não percebem que terão o mesmo destino.
" Meu Deus! Meu Deus!, disse ele. "De novo, de novo, e não para nunca." E, de repente, viu o problema por um lado totalmente diferente. (...) "O problema não é o ceco, nem o rim, mas a vida.... e a morte. Sim, eu tinha a vida, e agora ela está indo embora, indo embora, e eu não consigo detê-la.(...) "A morte. Sim, a morte. E eles, nenhum deles sabe, nem querem saber, e não tem pena. Eles não se importam, mas também morrerão. Bobalhões. Eu primeiro, mas eles depois; terão o mesmo fim que eu. Mas se divertem! Bestas! "
Parte 4 - O agravamento da doença
À partir do momento que adquire a consciência da mortalidade, Ivan Ilitch passa a relembrar como se deu seu adoecimento e ele percebeu a forma estúpida como tudo aconteceu, tão estúpida quanto a vida que levara.
" E verdade é que aqui, nesta cortina, como num combate, eu perdi a vida. Será possível? Como é horrível e como é estúpido! Não pode ser! Não pode ser, mas é."
Mas mesmo adquirindo essa consciência da própria finitude, Ivan Ilitch nega categoricamente essa condição.
Ele lembra de um silogismo que aprendeu na época de estudante que dizia assim:
" Caio é humano, todos os humanos são mortais, logo Caio é mortal - parecia-lhe correto só em relação à Caio, mas nunca em relação à ele mesmo."
Ivan acreditava que desgraças só aconteciam aos outros e tudo bem acontecer com eles, mas como era ele o titular dessa fatalidade, se sentia injustiçado.
A agonia de Ivan Ilitch aumentava a cada instante. A única pessoa que o amparava era seu servo Guerássim.
Guerássim era um homem do campo, um mujique. Era um jovem simples e de aparência bondosa.
Ivan Ilitch só se sentia bem na presença do criado. Sentia que ele era o único que entendia a sua situação e era sincero com ele. Sentia que Guerássim respeitava seu sofrimento e não minimizava sua dor.
Guerássim encarna um valor que era muito importante para Tolstói que é a pureza do homem do campo, um exemplo de virtude. Uma pessoa que não foi contaminada pela frivolidade da vida na cidade.
Essa relação dicotômica entre a vida corrompida na cidade x a vida pura no campo será retratada em outras obras de Tolstói, a exemplo da novela Felicidade conjugal que já tem resenha aqui no blog. Não é coincidência que toda a vida de Ivan Ilitch começa a piorar desde o momento em que ele sai da província para a capital.
O que Ivan Ilitch queria era receber carinho e afeto nesses que poderiam ser seus últimos dias de vida. Queria que sentissem pena dele, que sofressem com ele, mas como isso seria possível se durante toda a vida suas relações foram vazias de sentido?
Parte 5 - A morte
Quanto mais aumentava o horror que estava vivendo , mais ele se perguntava o porquê de tudo aquilo.
Passou a sua vida em revista em busca de respostas e percebeu que a única vez que fora de fato feliz foi na infância. De toda a sua história, só restou o refúgio na infância. Todo o tempo restante foi inútil e sem vida.
Mas quanto mais ele pensava, menos entendia já que sempre viveu conforme seu dever. Até que ele chega à conclusão inevitável de que " talvez não tenha vivido como era preciso."
Por mais que ele tenha vivido de forma como achava correta, ou seja, da forma como a sociedade aprovava, Ivan Ilitch começou a sentir que talvez essa não fosse a vida verdadeira.
" Como se eu caminhasse montanha abaixo, de maneira constante, imaginando que caminhava montanha acima. Foi bem assim. Na opinião da sociedade, eu ia montanha acima, e na mesmíssima medida a vida se afastava debaixo de mim... E então pronto, pode morrer!"
E ele novamente se questionou :
" (...) e se de fato toda a minha vida , minha vida consciente, foi "errada"?"
Ivan Ilitch até tentava esclarecer dentro de si essa dúvida, mas não conseguia. Não aceitava que fez escolhas erradas, que casou por conveniência, que negligenciou os filhos, que valorizou extremamente o que era efêmero, que todas as suas relações foram superficiais e interesseiras.
Ele preferia acreditar que sempre agiu como deveria porque isso o absolvia.
Mas quando o momento derradeiro chegou e ele viu a luz, ficou impossível para Ivan Ilitch continuar com a ilusão da dúvida. Ele soube que sua vida, apesar de em alguns momentos ter sido leve e agradável e sempre decente, ela foi em vão e dessa certeza vem o desespero, pois não há mais tempo.
O que restava à Ivan Ilitch era morrer. A morte era o seu consolo. Ele desejou a morte para, segundo ele, livrar os outros de sofrimento, mas na verdade, ele não tinha esse espírito de compaixão pelas pessoas à sua volta, tanto que não conseguiu pedir perdão ao filho ou à esposa.
O que ele queria era livrar ele próprio do peso dessa descoberta.