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A felicidade, desesperadamente (André Comte - Sponville)

A felicidade é a maior busca do ser humano. Quem não deseja ser feliz ?


E não apenas é o maior desejo do homem como também, de acordo com o autor,  é a meta da filosofia.


De acordo com Sponville, a felicidade sempre foi um problema filosófico desde os gregos,  apesar de ser um tema, que por ter se tornado banal, acabou sendo esquecido pelos filósofos contemporâneos.


Mas porque a felicidade é a meta da filosofia ?



Para responder essa perguntar o autor recorre à toda uma tradição filosófica, especialmente a tradição grega, onde conceitualmente coloca a filosofia como o "amor a sabedoria, a busca pela sabedoria" e, de acordo com o autor,  essa tradição reconhece a sabedoria como felicidade.


Mas se a sabedoria é uma felicidade,  não é uma  felicidade como comumente a conhecemos, ou melhor, idealizamos. Não é uma felicidade buscada nas ilusões, na diversão, mas uma felicidade desiludida, o que o autor chama de felicidade verdadeira.


A felicidade do sábio, a felicidade que é a meta da filosofia, é uma felicidade baseada na verdade. É o máximo de felicidade com o máximo de lucidez possível. Tanto que o autor menciona que só é  verdadeiramente filósofo quem ama a verdade acima de tudo ao ponto de preferir uma tristeza verdadeira a uma falsa alegria.


Esse pensamento vem da própria definição que Sponville dá para a filosofia  (e que particularmente eu amei), onde ele se baseou na definição de Epicuro e que diz :


" O que é a filosofia? A filosofia é uma prática discursiva que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade por fim"

Essa definição me agrada de um todo porque eu também entendo a filosofia como uma prática, é um discurso sim, mas ainda assim uma prática discursiva, que fala dos temas vida , utilizando a razão para chegar à felicidade, a felicidade verdadeira,  uma felicidade na desilusão, sem mentiras e principalmente,  sem se mentir.


"O essencial é não mentir, e antes de mais nada não se mentir. Não mentir sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade."

Mas nós, geralmente, o que chamamos de felicidade é um autoengano e por isso não somos realmente felizes. É um autoengano porque, não  raras as vezes, é baseada na projeção do que não depende de nós.


O autor vai então dividir o seu discurso em três partes: na primeira ele mostrará porque não somos felizes, na segunda parte ele discursará sobre o que ele denominou de felicidade em ato e na terceira parte ele falará sobre a sabedoria do desespero ou a felicidade desesperadamente.


Mas afinal,  porque não somos felizes ? Ou somos menos felizes do que poderíamos?


Primeiramente porque nos falta sabedoria. Como já vimos anteriormente,  se fôssemos sábios seríamos felizes.


Segundo, porque desejamos aquilo que não temos. Nosso desejo de felicidade é sempre frustrado,  decepcionado, porque ser feliz é ter o que desejamos,  mas o desejo é falta. Só se deseja o que não tem.


Para exemplificar essa tese,  o autor recorre à definição de amor dada por Sócrates em O banquete que já tem resenha aqui no blog.


Sócrates dirá: "(...) o que deseja deseja aquilo de que é carente, sem o que não deseja, se não for carente."


É por isso que nunca somos felizes, pois o desejo é falta e uma vez satisfeito já se deseja outra coisa ou se entendia. Então, vivemos nessa oscilação entre o sofrimento (pela falta) e o tédio (pela satisfação do desejo).


E porque isso acontece é o que o autor irá chamar de armadilhas da esperança (no sentido de esperar). Só esperamos o que não temos. Associamos o desejo à esperança. Quantas vezes já dissemos "Quando comprar meu apartamento serei feliz" , "Quando passar no concurso que desejo serei feliz". Depositar a felicidade na esperança já é perdê-la, seja porque ela não sendo satisfeita geraria dor e frustração,  seja porque ela sendo satisfeita geraria tédio e um novo desejo ou uma nova esperança.


Mas como fugir desse ciclo de sofrimento e tédio?


Através do que o autor vai denominar de felicidade em ato.


Mas antes de explicar o que seria essa felicidade em ato,  o autor vai desenvolver o seguinte raciocínio: não somos felizes porque confundimos  desejo com esperança . Toda esperança é um desejo, mas nem todo desejo é esperança.


A esperança é um desejo já que não podemos esperar pelo que não desejamos . É também um desejo pelo que não temos (esperar é desejar sem gozar). A esperança também é ausência de conhecimento,  pois não se sabe se esse desejo será ou não satisfeito. Só se espera o que se ignora (esperar é desejar sem saber). A esperança é também um desejo cuja satisfação não depende de nós (esperar é desejar sem poder).


Ele também dirá que os filósofos como Platão, Sartre ou Schopenhauer  esquecem duas coisas importantíssimas ao associarem o desejo à falta: o prazer e a alegria.


A felicidade em ato ou a felicidade desesperada (sem esperar ou sem esperança) é aquela baseada no prazer, no conhecimento e na ação. Há prazer quando desejamos o que gozamos (há alegria no prazer). Podemos também desejar o que sabemos (há uma alegria no conhecimento) e podemos desejar o que fazemos (e também há uma alegria na ação). Por isso, felicidade e esperança não podem caminhar juntas , uma vez que o oposto da esperança é gozar, saber e poder.


Logo, a felicidade em ato é desejar o que temos, fazemos,  somos. É uma felicidade na desesperança na medida que não se espera nada. É a felicidade que só pode existir no presente.


A felicidade desesperadamente: uma sabedoria do desespero


Desespero, para o autor,  não deveria ser empregado como sinônimo de tristeza , infelicidade, mas para designar a  ausência de esperança.


A palavra desespero também remete à dificuldade desse percurso, o sofrimento até. Mas qual percurso? O da sabedoria.


Lá  no começo do texto eu disse, ou melhor, o autor disse que o sábio é feliz e porquê?  Porque ele abdicou da esperança, não tem nada a esperar, não lhe falta nada e por isso o sábio é plenamente feliz.


Essa é a sabedoria do desespero a que o autor se refere e nos convida a exercitar que é separar o desejo da esperança. É o caminho da desilusão, da lucidez, do conhecimento e da ação para sermos mais sábios e consequentemente mais (des) esperados.


Muito de sua visão é baseada na filosofia de Spinoza que vai dizer que quanto mais nos esforçarmos para vivermos sob a conduta da razão menos dependentes da esperança nos tornaremos. Mas vamos à diante...


É também o caminho da felicidade em ato por que o presente lhe é suficiente e lhe sacia. Nada há a esperar porque o sábio não deseja nada além do que sabe, do que pode e do que goza, do que é real e o real nunca está ausente e portanto, nunca lhe falta.  Isso é o contrário da esperança e é a felicidade (des) esperadamente.


Mas o autor nos alerta que aniquilar completamente a esperança é impossível (já que não somos sábios). Todos nós temos nossas doses de loucuras, angústias, temores. A felicidade consiste , portanto, nesse PROCESSO que precisa ser constatemente recomeçado. É uma tentativa de equilibrar o nosso conhecimento, a nossa ação e a nossa esperança.


Esperar menos e agir mais. Esperar menos e gozar mais. Esperar menos e saber mais. Esperar menos e amar mais.


E ele finaliza com  uma frase que me marcou bastante: " Não sonhemos a sabedoria; paremos, ao contrário, de sonhar nossa vida!"




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